quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Serviço Legionário

1. O legionário deve “revestir-se da armadura de Deus” (Ef 6, 11).

A Legião Romana, cujo nome foi adotado pela organização, atravessou os séculos com uma gloriosa tradição de lealdade, de coragem, de disciplina, de resistência e de triunfos, embora a serviço de causas por vezes indignas, ou, pelo menos, puramente terrenas (Conferir Apêndice 4: A Legião Romana). Evidentemente que a Legião de Maria não pode apresentar-se à sua Rainha com menos virtudes que a Legião Romana, como se fosse uma jóia, mas sem as pedras preciosas que a enfeitam. As velhas virtudes daquele exército são, por conseguinte, o mínimo exigido para o serviço legionário. S. Clemente, que foi convertido por S. Pedro e trabalhou com S. Paulo, propõe a Legião Romana como modelo a ser imitado pela Igreja.

“Quem são os inimigos? São os perversos que resistem à vontade de Deus. Lancemo-nos pois, resolutamente na batalha de Cristo e sujeitemo-nos às suas gloriosas ordens. Atentemos bem para os que servem na Legião Romana, debaixo das autoridades militares e notemos a sua disciplina, a sua prontidão, a sua obediência na execução das ordens. Nem todos são prefeitos ou tribunos ou centuriões ou chefes de cinqüenta homens ou de outro grau inferior de autoridade. Mas cada homem, na sua escala, executa as ordens do Imperador e dos seus Oficiais superiores. O grande não pode existir sem o pequeno, nem o pequeno, sem o grande. Uma certa unidade orgânica liga todas as partes, de modo que cada uma ajuda as demais e é ajudada por todas. Tomemos o exemplo do nosso corpo. A cabeça não é nada sem os pés e os pés não são nada sem a cabeça. Mesmo os mais pequenos órgãos do nosso corpo são necessários e de grande valor para o corpo inteiro. Com efeito, todas as partes trabalham unidas, em mútua dependência, e aceitam uma obediência comum para bem de todo o corpo” (S. Clemente, Papa e Mártir: Epístola aos Coríntios (A.D. 96), cap. 36 e 37).

2. O legionário deve ser “uma hóstia viva, santa, agradável a Deus... não conformado com este século” (Rm 12, 1-2).

Deste alicerce, brotarão, no legionário fiel, virtudes tanto mais elevadas, quanto mais sublime é a sua causa, e, acima de tudo, uma nobre generosidade que será o eco das palavras de Santa Teresa d’Ávila: “Receber tanto e dar tão pouco em troca! Oh! É um martírio que me leva à morte”. Contemplando o Senhor Jesus crucificado que ofereceu por ele o último suspiro e a última gota de sangue, o legionário deverá esforçar-se por reproduzir no seu apostolado uma doação completa semelhante.

“Diz-me, meu povo: que mais devia eu ter feito pela minha vinha, além do que fiz?” (Is 5, 4).

3. O legionário não deve furtar-se ao “trabalho e à fadiga” (2Cor 11, 27).

Como recentes acontecimentos comprovam, haverá sempre lugares na terra, em que o zelo católico deve estar preparado para enfrentar a tortura ou a própria morte. Assim muitos legionários passaram o limiar da glória de maneira triunfal. Mas, em geral, a dedicação do legionário encontrará um campo de ação mais modesto, embora lhe ofereça ampla oportunidade para um heroísmo pacífico, que não será por isso, menos verdadeiro. O apostolado da Legião obrigará o contato com muitos que, preferindo ficar longe de qualquer influência salutar, manifestarão o seu desagrado ao receber a visita daqueles cuja única missão é espalhar o bem. É claro que todos poderão ser conquistados, mas somente o serão, à custa de um trabalho corajoso e paciente. Olhares malévolos, injúrias e repulsas, caçoadas e críticas agressivas, o cansaço do corpo e do espírito, ânsias torturantes provenientes de insucessos e de dolorosas ingratidões, frio cortante, chuva que cega, lama e vermes, mau cheiro, ruas escuras, ambientes asquerosos, renúncia voluntária a prazeres legítimos, aceitação do sofrimento, próprio a todo o trabalho de apostolado, a angústia provocada em toda a alma delicada, perante a falta de religião e a libertinagem, a dor de quem partilha sinceramente o sofrimento do próximo – tudo isto não encerra encanto algum para a natureza; mas, suportado com doçura e até com alegria, levado com perseverança até o fim, aproximar-se-á, na balança divina, daquele amor, o maior de todos, que consiste em dar a vida pelo amigo.

“Que darei eu ao Senhor por todos os benefícios com que Ele me cumulou?” (Sl 116, 12).

4. O legionário deve “andar no amor, como também Cristo nos amou e se entregou a Si mesmo por nós” (Ef 5, 2).

O segredo do bom êxito junto do próximo está em estabelecer com ele um contato pessoal, contato de amor e de simpatia. Este amor deve ser mais do que aparência. Tem se de ser capaz de resistir às provas da verdadeira amizade, o que obrigará freqüentemente, a certo número de sacrifícios. Cumprimentar, em meios de certa distinção, alguém que pouco antes visitamos na cadeia; acompanhar publicamente pessoas andrajosas, apertar efusivamente mãos pouco limpas; compartilhar de uma refeição oferecida numa casa pobre ou suja: eis o que pode ser custoso para muitos. Mas, se assim não procedermos, a nossa amizade passará por simulação: perde-se o contato e a alma que estava a ser elevada afunda-se de novo na desilusão. Na raiz de todo o trabalho verdadeiramente fecundo deve estar o firme propósito de uma doação total de nós próprios. Sem esta disposição, o apostolado não tem base. O legionário que delimita o seu zelo declarando: “Sacrificar-me-ei até aqui, mas não mais”, embora gaste grandes energias, realizará apenas um trabalho insignificante. Pelo contrário, se esta boa vontade existe, ainda que nunca ou só em pequena escala, seja chamada a atuar, não deixará de ser poderosamente produtiva em grandes obras.

“Jesus respondeu-lhe: darás a tua vida por Mim? (Jo 13, 38).

5. O legionário deve “acabar a sua carreira” (2Tm 4, 7).

Assim, o serviço a que a Legião chama os seus soldados, não tem limites nem restrições. Não se trata de um simples conselho de perfeição, mas de uma necessidade, porque, se não visamos a um tal objetivo, a perseverança no organismo é impossível. Manter-se durante uma vida inteira, no trabalho de apostolado, constitui por si mesmo, heroísmo que só será atingido por uma série contínua de atos heróicos que encontram a sua recompensa, na própria perseverança. Mas a perseverança não é uma característica própria só do indivíduo. Todo e cada um dos múltiplos deveres da Legião deve levar o cunho de um esforço constante. Mudanças acontecerão necessariamente: pessoas e lugares diferente que se visitam, trabalhos que terminaram, substituídos por novos empreendimentos. Tudo isto, porém, é o resultado da variação constante da vida e não o fruto de inconstância caprichosa e de uma curiosidade sedenta de novidade, que acaba por arruinar a melhor disciplina. Receosa deste espírito de instabilidade, a Legião apela incessantemente para um espírito cada vez mais firme dos seus membros, mandando-os depois de cada reunião para as suas tarefas, levando consigo uma senha imutável: “Firme!”
A execução perfeita depende de um esforço contínuo que, por sua vez, é o resultado de uma vontade indomável de vencer. Para obter esta firmeza da vontade é essencial nunca ceder, nem pouco, nem muito. Por isso a Legião impõe a todos os seus ramos e a todos os seus membros, uma atitude firme que não combine com a aceitação de qualquer derrota ou com a tendência que leve a qualificar este ou aquele pormenor do trabalho legionário com os termos de “prometedor”, “pouco prometedor”, “desesperador”, etc. A facilidade de classificar de “desesperador”, este ou aquele caso, acaba permitindo que uma alma de preço infinito continue livre e desenfreadamente a sua corrida descuidada para o inferno. Além disso, esse comportamento mostra que existe um desejo irresponsável de mudanças e de progresso visível, que tende a substituir o motivo mais sublime do apostolado, por outro menos elevado. E então a não ser que a semente brote debaixo dos pés do semeador, surge o desânimo e cedo ou tarde o trabalho é abandonado.
Mais ainda: a Legião declara com insistência que o ato de classificar qualquer caso de desesperado enfraquece automaticamente a atitude a assumir perante outros casos. Consciente ou inconscientemente, iniciar-se-á qualquer trabalho com espírito de dúvida, perguntando-nos se vale ou não o esforço a ser empregado. A menor sombra de dúvida paralisa a ação. E o pior é que a fé deixará de atuar com a intensidade que se espera dela nos empreendimentos da Legião, pois apenas se lhe permite modesta interferência, quando alguma coisa parece razoável. Então a fé, bloqueada dessa maneira e barrada as suas resoluções, aparecerão imediatamente a timidez natural, a mesquinhez, a prudência do mundo, até ali abafadas, e a Legião vai se encontrar diante de um serviço feito por acaso ou indiferente, que constitui oferta vergonhosa, indigna do Céu.
Eis porque a Legião não se interessa senão secundariamente pelo programa de trabalho; ela se preocupa em primeiro lugar, com a intensidade do ardor colocado na sua realização. Não exige dos seus membros, riqueza ou influência, mas uma fé firme, não exige grandes feitos, mas, unicamente um esforço que não esmoreça; não exige talento, mas um amor que nunca se satisfaça; não exige uma força gigantesca, mas uma disciplina contínua. O trabalho do legionário deve ser inflexível e firme, recusando-se sempre a admitir qualquer desânimo. No momento da crise, deve ser uma rocha e em todos os momentos, constante. Deve esperar o bom êxito de maneira humilde, mas nunca ser seu escravo. Na luta contra os insucessos, deve ser um corajoso combatente, jamais desanimando, colocando-se sempre acima das dificuldades e monotonias, porque elas lhe oferecem ocasião de provar a sua energia e a sua fé. Pronto e resoluto, se o chamam; sempre alerta, quando na reserva; e mesmo sem combate, sem inimigo à vista, sempre de sentinela, pela causa de Deus. Com o coração cheio de ambições insaciáveis, mas contente com a função humilde de tapar uma brecha; nenhum trabalho excessivo; nenhuma tarefa desprezível demais; em tudo, a mesma cuidadosa atenção, a mesma paciência inesgotável, a mesma coragem férrea; em cada tarefa a marca profunda da mesma firmeza inalterável. Sempre a serviço do próximo, sempre à disposição dos fracos para os ajudar a atravessar as horas difíceis de desânimo, sempre de guarda, à espera do momento em que surpreenda naquele que até então teimava no erro, um sinal de sensibilidade; e sempre incansável à procura dos transviados. Esquecido de si mesmo: permanecendo junto da cruz de seus irmãos e não abandonando o seu posto, senão quando tudo estiver consumado. Nunca o desânimo deve penetrar nas fileiras de uma associação consagrada à “Virgem Fiel” e que – para honra ou desonra – usa o seu nome.



PRINCIPAIS DEVERES DOS LEGIONÁRIOS


1. Participação regular e pontual 
na reunião semanal do Praesidium
(Ver capítulo 11, Plano da Legião)

a) Fácil nos dias serenos e de boa disposição, este dever torna-se difícil nas ocasiões de mau tempo ou de grande cansaço e, em geral, quando somos tentados a ir a qualquer outra parte. É então que cada um se revela. As dificuldades são uma prova e o mérito real consiste em vencê-las.
b) É mais fácil compreender o valor do trabalho do que o da reunião, em que dele devemos dar conta; e, todavia, a participação na reunião é o dever principal. Ela é para o trabalho o que a raiz é para a flor: a condição indispensável da vida. 
c) A fidelidade em participar das reuniões, apesar do longo trajeto de ida e volta, é prova de profundo espírito sobrenatural. Naturalmente, seríamos levados a julgar que o valor da reunião não compensa o tempo perdido em percorrer o caminho! Mas não é tempo perdido! Faz parte – e de elevado merecimento – do nosso trabalho total. Quem ousaria afirmar que o tempo gasto por Maria, na viagem para visitar Sua prima Isabel, foi tempo perdido?

“A muitas outras virtudes, Santa Teresa de Lisieux acrescentava uma indomável coragem. Tinha como princípio que ‘devemos ir até ao extremo das nossas forças antes de nos queixarmos’. Quantas vezes assistia a Matinas com vertigens e fortes dores de cabeça! ‘Ainda posso andar’, costumava dizer, ‘devo por isso cumprir o meu dever’. Era esta extraordinária energia que a levava a praticar atos heróicos.” (Santa Teresa do Menino Jesus).


2. Cumprimento da obrigação do trabalho semanal

a) Este trabalho deve ser substancial, isto é, de modo a ocupar o legionário duas horas por semana. Não nos deixemos, porém, limitar, no apostolado, por cálculos matemáticos. Grande parte dos legionários vai muito além do tempo mínimo, dando ao seu trabalho vários dias por semana, e alguns até todos os dias. O trabalho legionário deve consistir num serviço ativo, concreto, designado pelo Praesidium, e não numa tarefa ditada pelo capricho individual. As orações ou outros exercícios de piedade, por mais valiosos que sejam, não satisfazem, nem mesmo parcialmente, a obrigação do trabalho ativo.
b) O trabalho semanal é também uma forma de oração, cujas regras temos de seguir. Sem uma forte proteção sobrenatural, o trabalho não se mantém por muito tempo: ou é fácil e torna-se rotineiro e cansativo; ou interessante e esbarra talvez com resistência e obstáculos aparentes. Em ambos os casos, as considerações humanas nos levam, em breve, à desistência. Como será diferente, porém, se o legionário for acostumado a penetrar na neblina dos sentimentos naturais que escondem o verdadeiro alcance do trabalho, e a ver este na sua perspectiva sobrenatural. Quanto mais sofrimento houver numa obra, mais devemos estimá-la.
c) O legionário é um soldado. Não cumprirá, pois, os seus deveres menos corajosamente que os soldados da terra. Tudo o que é nobre, sacrificado, cavalheiresco e enérgico no caráter do soldado há de encontrar-se, no mais alto grau, no verdadeiro legionário de Maria e, conseqüentemente, refletir-se no seu trabalho.
Para o militar, o dever não é sempre o mesmo: ora tem de enfrentar a morte no campo de batalha, ora de fazer a ronda monótona de sentinela, ora de limpar os pavimentos do quartel. O dever como tal, eis o que importa. O bom soldado considera o dever em si e não o seu objeto: em todas as circunstâncias, na derrota como na vitória, revela a mesma inviolável fidelidade. Pois bem: a maneira como o legionário encara o dever não há de ser menos séria, nem menos rigorosa a sua aplicação aos pormenores do trabalho, aos mais insignificantes como aos mais difíceis.
d) O legionário deve trabalhar em união íntima com Maria. Um dos fins essenciais do seu apostolado, não o esqueça, é tornar Maria tão conhecida e amada daqueles de quem se aproxima, que os leve a servi-la com generosidade. Conhecê-la e amá-la são condições indispensáveis da saúde e progresso sobrenatural de cada um. “Ela toma parte nos Divinos Mistérios e pode chamar-se, com razão, a sua guardiã. Em Maria, como no mais nobre fundamento depois de Jesus Cristo, assenta a fé de todas as gerações” (AD). Convidamos todos os legionários a meditar estas sugestivas palavras do Papa Pio X: “Enquanto a devoção à augusta Mãe de Deus não lançar profundas raízes nas almas – e só então – nunca estas hão de produzir frutos de virtude e de santidade compensadores dos trabalhos e canseiras do apostolado”.

“Lembrai-vos de que estais combatendo, como Nosso Senhor no Calvário, com a certeza da vitória. Não receeis utilizar as armas que Ele afiou, nem partilhar das Suas chagas. Que importa que a vitória seja ganha nesta geração ou na futura? Segui a tradição de um labor constante e paciente e deixai o resto ao Senhor porque não nos pertence conhecer nem o dia nem a hora que o Pai, em Seus altos desígnios, determinou. Coragem! Levai o fardo da vossa responsabilidade de cavaleiros com a inflexível intrepidez das grandes almas que vos precederam.” (T. Gavan Duffy: O Preço do Dia que Desponta).


3. Relatar verbalmente na reunião o trabalho da semana

Importantíssima é esta obrigação, que constitui um dos exercícios que mais concorrem para manter o interesse pelo trabalho legionário. Por este motivo e também para informar os assistentes se exige o relatório. O cuidado com que o legionário o prepara e o modo como o apresenta são prova da sua capacidade. Cada relatório é uma pedra para o edifício que é a reunião: a integridade desta depende da perfeição dos relatórios. Todo relatório defeituoso é um atentado contra a reunião, fonte da vida legionária. Parte importante da formação dos membros consiste na aprendizagem dos métodos de trabalho dos outros, como se mostram pelos seus relatórios, e em ouvir os comentários que o seu próprio relatório provoca por parte dos legionários mais experientes. É, pois, evidente que o relatório demasiado breve não aproveita nem a quem o apresenta nem a quem o escuta. Para mais pormenores sobre o relatório e a maneira de o apresentar, veja-se o nº 9 do capítulo 18, “Ordem a observar na Reunião do Praesidium”.

“Recordai com que insistência São Paulo exorta os cristãos a socorrer e lembrar em suas orações ‘todos os homens, porque Deus quer que todos se salvem... pois Jesus Cristo se entregou a si mesmo para redenção de todos’ (1Tm 2, 6). O princípio da universalidade deste dever e do seu objeto aparece também nestas sublimes palavras de São João Crisóstomo: ‘Cristãos, vós haveis de dar contas não só de vós mesmos, mas do mundo inteiro.’” (Gratry: As fontes)


4. Segredo inviolável

Os legionários devem guardar segredo inviolável de tudo o que ouvem na reunião ou vêm a conhecer por ocasião do seu trabalho. É como legionários que eles adquirem tais conhecimentos; a sua divulgação constituiria traição intolerável para com a Legião. É evidente que temos de apresentar o nosso relatório ao Praesidium, mas mesmo então, devemos ser prudentes. Trata-se deste assunto amplamente no nº 20 do capítulo 19, “A reunião e o membro”.

“Guarda o depósito que te foi confiado.” (1Tm 6, 20)


5. Caderno de anotações

Cada membro deve ter um caderno em que anotará os dados referentes aos diversos casos. Esta maneira de proceder tem as suas razões: a) temos obrigação de fazer o trabalho com o método e a seriedade com que tratamos de um negócio; b) não perderemos de vista os casos já resolvidos, ou ainda a resolver; c) teremos assim elementos necessários para um bom relatório; d) estamos nos treinando em hábitos de ordem; e) como prova concreta do trabalho já realizado, o nosso caderno de anotações será uma poderosa arma nos momentos inevitáveis de desânimo, quando a sombra de uma dificuldade presente tenta apagar as realizações passadas. Estas notas devem ser confidenciais, escritas numa espécie de código, se preciso for, para esconder, de pessoas estranhas, informações delicadas. Nunca devemos fazer anotações diante dos interessados.

Faça-se tudo convenientemente e com ordem.” (1Cor 14, 40)


6. Reza Diária da Catena Legionis

Todo legionário deve rezar diariamente a Catena Legionis (Corrente da Legião), composta principalmente do Magnificat, a oração própria de Maria, o hino vespertino da Igreja, “o mais humilde e agradecido, o mais sublime e excelso de todos os cânticos” (S. Luís Montfort). Como o nome o indica, a Catena é o vínculo que une a Legião à vida diária de todos os seus membros (Ativos e Auxiliares), o laço que os liga a todos entre si e à sua bendita Mãe. O nome sugere também a obrigação de rezá-la todos os dias. Que o conceito de corrente, formada por elos – cada um dos quais é necessário à perfeição do todo – sirva de advertência contra o descuido, que pode levar o legionário a ser um elo partido na cadeia da oração diária da Legião. Os legionários, a quem as circunstâncias forçaram a abandonar as fileiras ativas da Legião, e mesmo aqueles que a deixaram por razões menos aceitáveis, deveriam continuar esta belíssima prática e manter assim intacto, durante toda a vida, ao menos este vínculo com a Legião.

“Quando eu quiser conversar familiarmente com Jesus, hei de fazê-lo de cada vez, em nome de Maria e, até certo ponto, em sua pessoa. Por mim, ela deseja reviver as horas de doce intimidade e inefável ternura, que passou em Nazaré com seu amado Filho. Com a minha ajuda se alegrará novamente em conversar com ele; graças a mim, há de abraça-Lo e estreitá-Lo contra o seu coração como outrora em Nazaré.” (De Jaegher: A Virtude da Confiança).


7. As relações entre os membros

Embora os legionários estejam dispostos a cumprir, em geral, o dever da caridade fraterna, esquecem-se, às vezes, de que tal dever requer uma atitude bondosa e indulgente com os aparentes defeitos dos colegas. Qualquer falta, neste ponto, privará o Praesidium de inúmeras graças e pode levar muitos à resolução desastrosa de abandonar a Legião. Por outro lado, todos devem ter juízo suficiente para compreender que a sua fidelidade à Legião não pode depender do fato de este Presidente ser simpático ou aquele colega tratável; nem tampouco tem nada a ver com desfeitas reais ou imaginárias, com qualquer falta de consideração, com esta discordância ou aquela censura ou outros incidentes semelhantes. A renúncia a si próprio é o fundamento de todo o trabalho em comum. Sem ela, os melhores operários tornam-se uma ameaça constante para a organização. Os melhores servidores da Legião são aqueles que, deixando de lado, um pouco, seu próprio “eu”, se adaptam completa e harmoniosamente aos métodos e princípios legionários. Ao contrário, aquele que diz ou faz qualquer coisa contrária à doçura que deve caracterizar a Legião abre uma artéria no organismo – ato cujas conseqüências podem ser fatais. Cuidem, pois, de construir e não destruir, de unir e não de dividir.
Ao tratar das relações de legionário para legionário, é necessário sublinhar de modo particular o que leviana e impropriamente se chama de “pequenas invejas”. A inveja raramente é pequena. É amargor de coração que envenena todas as relações humanas. Nas pessoas más, é uma força feroz e louca, capaz dos atentados mais horríveis. Nas pessoas generosas e nos corações puros, explora a sua natureza sensível e carinhosa. Como é duro ver-se substituído por outro, ultrapassado em virtude ou em êxito, posto de lado, para dar lugar aos mais novos! Como é amargo contemplar o eclipse de si próprio! Até mesmo os santos sentiram este tormento secreto, e conheceram deste modo a sua estupenda fraqueza! Na realidade, essa amargura não é senão ódio adormecido, prestes a romper em labareda destruidora.
O esquecimento pode trazer-nos algum alívio. Mas o legionário deve procurar um fim mais elevado que esta paz; só deve contentar-se com a vitória completa, o triunfo – tão cheio de mérito – sobre a natureza revoltada, a transformação total da inveja, que é semi-ódio, em amor cristão. Como realizar, porém, semelhante milagre? Cumprindo plenamente os deveres legionários para com os companheiros e para com aqueles que o rodeiam, vendo e reverenciando em todos a Jesus Cristo, seu Senhor, como lhe foi ensinado. Cada manifestação da inveja deve vir de encontro a esta reflexão: “A pessoa, cuja exaltação tanto me amargura, não é outra senão o Senhor. Os meus sentimentos, por isso, devem ser os de João Batista: muito me alegro em ver Jesus exaltado à minha custa: é preciso que Ele cresça e eu diminua”.
Esta atitude exige uma santidade heróica. É a matéria prima de um glorioso destino. E que honrosa oportunidade para que Maria liberte de toda mancha de vaidade o coração do legionário, através do qual a luz há de resplandecer para outros homens (Jo 1, 7), e formar assim o embaixador desinteressado que prepare o caminho adiante do Senhor (Mc 1, 2). Um precursor deve sempre desejar ver-se posto na sombra por aquele a quem anuncia. O verdadeiro apóstolo se alegrará com o progresso dos outros, nunca interpretando o crescimento deles como diminuição de si próprio. Não merece o nome de apóstolo aquele que só quer o progresso dos outros quando isso não lhe faz sombra. Tal inveja mostraria que preferimos a tudo a satisfação do nosso “eu”, ou seja, do nosso egoísmo. No verdadeiro apóstolo, o “eu” é relegado sempre para o último lugar. Mais: o verdadeiro apostolado não combina com o espírito de ciúme.

“Com as primeiras palavras de respeito e carimbo, Maria transmite o primeiro impulso santificante, que vai purificar essas duas almas, regenerando João Batista e enobrecendo ao mesmo tempo a Isabel, sua mãe. Ora, se as suas primeiras palavras operaram tais maravilhas, que devemos pensar dos dias, semanas e meses que se seguiram? Maria dá sempre... E Isabel recebe – por que não o dizer? – recebe sem inveja! Isabel, a quem Deus concedeu também milagrosamente a graça da maternidade, inclina-se diante da sua jovem prima, sem a mínima amargura secreta, por não ser ela a eleita do Senhor. Isabel não tinha inveja de Maria e também Maria mais tarde não terá inveja do amor que seu divino Filho há de consagrar aos apóstolos. Assim como S. João Batista não invejará Jesus, porque os próprios discípulos o abandonaram para seguir o Filho de Deus. Sem o mínimo vestígio de ciúme, vê-os afastarem-se de si, comentando o caso apenas com estas palavras: ‘Aquele que veio do alto está acima de todos... Importa que Ele cresça e que eu diminua’. (Jo 3, 30-31) (Perroy: A Humilde Virgem Maria).


8. Relações entre os companheiros de visita

Os legionários têm deveres especiais para com os companheiros de visita. “Enviou-os dois a dois adiante d’Ele” (Lc 10, 1). O número “dois” tem aqui significação mística: é o símbolo da caridade, de que dependem os bons frutos da ação. “Dois” não quer dizer só duas pessoas que casualmente trabalham juntas, mas união perfeita entre dois corações, como a de David e Jônatas, dos quais está escrito que cada um amava o outro como a sua própria alma (1Sm 18, 1). Os que se lançam ao trabalho de salvação do próximo com este espírito hão de ser verdadeiramente abençoados; e quando “voltarem virão contentes, trazendo os seus feixes” (Sl 126, 6).
É nos mínimos pormenores que se manifesta e progride a união entre os dois visitantes. Promessas não cumpridas, faltas aos encontros marcados, faltas de pontualidade, quebras de caridade por pensamentos ou palavras, pequenas indelicadezas, ares de superioridade cavam entre os dois uma trincheira e tornam impossível a união.

“Para uma congregação religiosa, depois da sua disciplina, a mais preciosa garantia de bênçãos e de fecundidade é a caridade fraterna, a união íntima de todos. Devemos amar todos os nossos irmãos sem exceção, como filhos privilegiados e escolhidos de Maria. O que fizermos a qualquer dentre eles, Maria considerá-lo-á como feito a si mesma ou, antes, ao Seu Filho Jesus – visto todos os nossos irmãos serem chamados por vocação a tornar-se, com Jesus e em Jesus, verdadeiros filhos de Maria.” (Pequeno Tratado de Mariologia, por um Marianista).


9. Expansão da Legião

O recrutamento de novos membros faz parte das obrigações de todo legionário. “Amarás o próximo como a ti mesmo”, diz Nosso Senhor. Ora, se a Legião é uma bênção para todos aqueles que a ela pertencem, é dever dos seus membros procurar partilhá-la com outros. Se alguém verifica que os irmãos se elevam pelo seu trabalho, não deverá ele desejar estender este trabalho? Enfim, poderá o legionário deixar de se esforçar por alistar novos membros, sabendo que a Legião os faz progredir no amor e serviço de Maria, a maior bênção depois de Jesus que pode entrar numa vida? Porque Deus fez dela – dependente e inseparavelmente de Cristo – a raiz, o crescimento e a floração da vida sobrenatural. Existem pessoas que nunca pensarão em entrar pela Estrada da Vida, se nós não nos aproximarmos delas e insistirmos com elas. E, bem lá no fundo, é essa Estrada que procuram e é essa Estrada que as levará a conquistar graças extraordinárias. E, através delas, muitas outras pessoas também descobrirão o caminho.

“Diante de todos os mortais se abre um caminho – e muitos caminhos – e um caminho. A alma nobre envereda pelo caminho elevado; a alma mesquinha arrasta-se no caminho baixo; e entre os dois, nos planaltos brumosos, as outras marcham ao acaso. Diante de todos os homens se abre um caminho elevado e um caminho baixo e cada um decide do caminho a seguir.” (John Oxenham).


10. Estudo do Manual

Todo membro tem o rigoroso dever de estudar a fundo o Manual. É a exposição oficial do que é a Legião. Contém, o mais resumidamente possível, aquilo que de mais importante todo legionário bem informado deve saber a respeito dos princípios, leis, métodos e espírito da organização. Os membros – particularmente os Oficiais – que não estudam o Manual tornam-se absolutamente incapazes de pôr em prática, como deve ser, o sistema da Legião. Por outro lado, um conhecimento cada vez mais íntimo traz consigo um aumento de eficiência do trabalho. E – fenômeno estranho! – o interesse irá crescendo de dia para dia, e a qualidade será proporcional à quantidade. “Extenso demais!”, ouve-se não raras vezes; e – que despropósito! – estas palavras partem às vezes de pessoas que consagram diariamente à leitura dos jornais o tempo suficiente para ler a maior parte do Manual.
“Extenso demais! Pormenorizado demais!” Ouviríamos nós esta queixa de um estudante de Direito, de Medicina ou da Escola de Guerra, diante de um livro com o mesmo tamanho, no qual ele pudesse encontrar todos os conhecimentos referentes à sua especialidade? Ao contrário, haveria de decorar numa semana ou duas todas as idéias, mesmo palavra por palavra, contidas nesse tratado. Na verdade “os filhos deste século são mais hábeis no trato com os seus semelhantes do que os filhos da luz” (Lc 16, 8).
Fala-se também que o “Manual está cheio de noções difíceis e de assuntos muito elevados, e que isso dificulta a compreensão para os membros mais jovens e menos instruídos. Por que não lhes apresentar um Manual simplificado?” Não deveria ser necessário fazer notar que tal sugestão é contrária aos princípios básicos da educação, os quais requerem que o estudante seja introduzido gradualmente em terreno desconhecido. Se o aluno conhecesse perfeitamente de antemão o assunto a tratar, não poderia haver ensino; este cessa onde acaba a novidade a propor ao espírito. Por que deveria, pois, o legionário esperar compreender perfeitamente o Manual, à primeira vista, quando ninguém espera de um escolar que entenda logo o seu livro de álgebra ou de latim? É próprio da aula e da noção de ensino tornar claro o que não era claro, introduzir o aluno no domínio do conhecimento.
“Até as palavras são difíceis”. No entanto, não haverá possibilidade de entendê-las? O vocabulário do Manual não é tão elevado que não se possa compreender com algumas perguntas a uma pessoa competente e um bom dicionário. De fato, é exatamente o vocabulário dos jornais diários lidos por toda a gente. Quem jamais ouviu alguém sugerir que estes jornais deveriam ser simplificados? O brio e o catolicismo do legionário deveriam animá-lo a conseguir entender e usar as palavras necessárias para explicar os princípios da sua fé e da Legião.
O que acabamos de expor a respeito do vocabulário do Manual vale também a respeito de suas idéias. Não são obscuras. “No ensino da Igreja não há um corpo doutrinal acessível apenas a alguns” (Arcebispo McQuaid). Prova isso o fato de legionários sem conta, pessoas comuns, do povo simples, terem entendido completamente essa doutrina e terem feito dela o alimento e a substância de suas vidas. Também não são desnecessárias. De fato, é impossível cumprir de modo satisfatório o dever do apostolado sem a sua compreensão racional, pois se trata dos princípios básicos, quer dizer, da verdadeira vida de apostolado. Sem uma compreensão suficiente de tais princípios, o apostolado não tem sentido autêntico, quer dizer, faltam-lhe as raízes sobrenaturais, e, de tal forma, que não tem o direito de chamar-se cristão. A diferença entre o apostolado cristão e a campanha indefinida de apenas “fazer o bem” é como a distância entre o céu e a terra. 
É necessário compreender, portanto, as idéias apostólicas do Manual e o Praesidium desempenha a função de mestre. Isso se consegue através da leitura espiritual e da Alocução, dentro das reuniões; e, fora destas, pela leitura e estudo metódicos, a que os legionários devem ser incessantemente animados. Mas os conhecimentos têm de ultrapassar a esfera teórica. Cada parte do trabalho ativo deve unir-se à doutrina apropriada e receber, deste modo, um significado espiritual.
Perguntaram um dia a Santo Tomás de Aquino como fazer para tornar-se douto. Replicou este: “Lede um livro. Procurai compreender bem o que ledes ou ouvis e atingir a certeza onde irrompe a dúvida”. Não tinha o grande mestre em vista nenhuma obra em particular, mas qualquer livro digno de ser lido. As suas palavras podem servir de incentivo a todos os legionários para um estudo exaustivo do Manual. Além disso, o Manual oferece também um valioso conteúdo catequético. Apresenta de uma forma simples e abreviada a religião católica, em conformidade com a legislação do Concílio Vaticano II.

“Embora São Boaventura considerasse a ciência como o resultado de uma iluminação interior, não desconhecia, no entanto, o trabalho que o estudo exige. Por isso, citando São Gregório, apresentava como exemplo de estudo o milagre das bodas de Caná, na Galiléia. Jesus Cristo não criou o vinho do nada, mas ordenou aos servos que enchessem as talhas de água. De igual modo, o Espírito Santo não concede inteligência espiritual e ciência ao homem que não enche a sua talha, isto é, a sua mente, com água, isto é, com os conhecimentos adquiridos pelo estudo. Não há iluminação sem esforço. A compreensão das verdades eternas é a recompensa do trabalho do estudo, de que ninguém pode estar dispensado.” (Gemelli: A Mensagem Franciscana ao Mundo).


11. Estar sempre de serviço

Na medida em que a prudência o aconselhe, o legionário deve procurar impregnar do espírito da Legião todas as ocupações da vida diária e estar sempre alerta para aproveitar as oportunidades e promover os objetivos gerais da Legião: destruir o império do pecado, arrancá-lo e plantar nas suas ruínas o estandarte de Cristo Rei. “Encontra-vos um cavalheiro na rua e pede-vos um fósforo. Falai-lhe e dentro de dez minutos perguntar-vos-á por Deus” (Duhamel). E por que não provocamos esse contato vivificante pedindo-lhe nós o fósforo? Vezes sem conta, a ponto de ameaçar converter-se em costume, entende-se e pratica-se o Cristianismo apenas em parte, isto é, como uma religião individualista, destinada exclusivamente ao benefício de si mesma e desinteressada por completo dos irmãos que nos rodeiam. É o “meio círculo do Cristianismo”, tão reprovado por Pio XI. Evidentemente, o mandamento que nos ordena amar a Deus com todo o coração, com toda a alma e com toda a mente, e ao próximo como a nós mesmos (Mt 22, 37-39) caiu em muitos ouvidos dispostos a não o escutar.

Considerar o ideal legionário como uma espécie de santidade destinada apenas a alguns escolhidos seria uma prova concreta desta visão gravemente errada: o ideal legionário é tão somente o ideal cristão elementar. Não é fácil compreender como é possível alguém descer abaixo das suas exigências e ter, no entanto, a pretensão de amar ativamente o próximo, como nos é imposto pelo grande Preceito. Este amor faz parte integrante do verdadeiro amor de Deus e de tal forma que, sem ele, o ideal cristão fica deformado. “Temos de salvar-nos todos juntos e juntos devemos apresentar-nos diante de Deus. Que nos diria o Senhor se alguns de nós se apresentassem diante d’Ele sem os outros?” (Péguy). Um tal amor deve derramar-se nos corações dos nossos irmãos, sem distinção, individual e conjuntamente, não sob a forma de mero sentimento, mas de dever, de serviço e de dedicação. O legionário deve ser a corporização simpática deste Cristianismo autêntico. Se a Verdadeira Luz que veio a este mundo não se erguer, à vista dos homens, com raios numerosos e fulgurantes, quer dizer, através dos exemplos práticos de uma vida realmente cristã, não só há o perigo, mas a certeza de não se refletir no padrão comum da vida dos católicos. Estes se deixarão afundar até o último escalão que os separa do inferno. A religião ficaria assim sem o seu caráter nobre e desinteressado ou, por outros termos, seria o inverso ridículo do que dela se espera, incapaz de atrair e defender quem quer que seja. 
Serviço significa disciplina. Estar sempre de serviço significa manter uma disciplina constante. Por isso, a linguagem do legionário, o modo de se vestir, as maneiras, todo o seu porte, por mais simples, nunca devem trair a sua fé. Muitas pessoas procuram apanhar em falta aqueles que elas vêem trabalhar a favor da religião. Quedas, que em outros dificilmente atrairiam a atenção, serão julgadas vergonhosas no legionário e hão de inutilizar em grande parte os seus esforços de fazer o bem. Não há nada que estranhar: é razoável exigir de quem quer que anime os outros a um ideal superior um tipo de vida que sirva de exemplo.
Mas nisto, como em tudo, deve prevalecer o bom senso. Os bem intencionados não devem deixar-se afastar do apostolado pela consciência das suas próprias deficiências; seria acabar com todo o trabalho apostólico. Nem pensem que seja hipocrisia aconselhar uma perfeição que eles mesmos não possuem. “Não, diz São Francisco de Sales, não é ser hipócrita falar melhor do que agir. Se assim fosse, Deus meu! Aonde isso nos levaria? Teríamos de ficar calados”.

“A Legião quer simplesmente viver o catolicismo normal. Dizemos normal e não medíocre. Hoje em dia pensamos comumente que católico normal é aquele que pratica a religião em proveito próprio, sem interesse algum ativo pela salvação de seus irmãos. Ora, semelhante indivíduo é a caricatura do católico fiel e do próprio catolicismo. O católico medíocre não é o católico normal. Deveríamos sujeitar a uma crítica cerrada, a um processo de revisão, a noção de “bom católico” ou de “católico praticante”. Há um mínimo de trabalho apostólico, abaixo do qual ninguém pode se dizer católico, e este mínimo indispensável por que seremos julgados no juízo final não é atingido pela massa dos católicos ditos praticantes. Nisto reside um drama e um equívoco fundamental.” (Cardeal Suenens: Teologia do Apostolado).


12. O legionário deve unir a oração ao trabalho

Embora o Membro Ativo tenha como única obrigação diária a reza da Catena Legionis, aconselha-o vivamente a Legião a incluir no seu programa cotidiano todas as orações da Tessera. Obrigatórias para o Auxiliar, seria reprovável que os Ativos contribuíssem menos neste ponto para a causa comum do que os seus incontáveis cooperadores espirituais. Os Auxiliares, é certo, não trabalham ativamente, mas também é indiscutível que melhor serve a Rainha da Legião o Auxiliar que reza do que o legionário Ativo que trabalha mas não reza. Este age contra as intenções da Legião que, no ataque, reserva aos Ativos a função de pontas de lança e aos Auxiliares, apenas a função de haste.
Mais: o fervor e a perseverança dos Auxiliares dependerão, em grande parte, da convicção de que, pela sua colaboração, completam um serviço sacrificado e heróico, muito superior ao deles. Por mais este motivo, o Ativo deve ser para o Auxiliar um exemplo e um estímulo. Mas como é pouco animador o exemplo do Ativo que nem sequer cumpre o dever de piedade exigido do Auxiliar, deixando-nos na dúvida sobre qual dos dois serve melhor a Legião! Todo legionário Ativo ou Auxiliar deve alistar-se na Confraria do Santíssimo Rosário. As vantagens são imensas. (Veja-se Apêndice 7.)

“Em toda prece se invoca, ao menos implicitamente, o Santíssimo Nome de Jesus, embora as palavras ‘por Jesus Cristo, Nosso Senhor’, não sejam ditas expressamente: Jesus é o Mediador único, a quem todo pedido tem de ser apresentado. O mesmo deve dizer-se, também, da Mãe de Deus: quer uma pessoa dirija a sua súplica diretamente ao Pai, quer a confie a um anjo ou a um santo, sem recorrer ao nome santíssimo de Maria, nem por isso este nome bendito deixa de ser implicitamente invocado, em virtude da associação necessária com Jesus Cristo, único Mediador. A invocação de Deus é invocação virtual de Maria; a invocação do Filho, como Homem, é invocação da Mãe; a invocação dos santos é também invocação da Senhora.” (Canice Bourke, O.F.M. Cap.: Maria).


13. A vida interior dos legionários

“Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20). A vida interior orienta os nossos pensamentos, desejos e afetos para o Senhor. O modelo desta vida é Nossa Senhora. Maria progredia continuamente na santidade: o progresso espiritual é, acima de tudo, avanço na caridade e no amor, e Maria cresceu na caridade a vida inteira. “Todos os cristãos, em qualquer estado ou modo de vida, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição do amor... Todos os cristãos são chamados e devem tender, à santidade e perfeição do próprio estado” (LG 41, 42). A santidade consegue-se pela prática da vida. “Toda a santidade consiste no amor a Deus e todo o amor a Deus consiste em fazer a Sua vontade” (Santo Afonso M. de Ligório).
“Para poder descobrir a vontade concreta do Senhor sobre a nossa vida, são sempre indispensáveis a escuta pronta e dócil da palavra de Deus e da Igreja, a oração filial e constante, a relação com uma sábia e amorosa direção espiritual, a leitura, feita na fé, dos dons e dos talentos recebidos, bem como das diversas situações sociais e históricas em que nos encontramos” (ChL 58).
A formação espiritual dos legionários a nível de Praesidium concorre poderosamente para o desenvolvimento da própria santidade. Convém que nos lembremos, porém, de que a orientação espiritual é coletiva. Uma vez que cada membro é um indivíduo único com necessidades próprias, é desejável que a direção coletiva seja completada por uma orientação individual, por “uma sábia e amorosa direção espiritual” (Op. C). Para a vida cristã há três exigências necessárias, ligadas entre si: a oração, o espírito de sacrifício e os Sacramentos.

a) A oração
Como cada um de nós é, por natureza, indivíduo e ser social, a nossa oração deve abranger necessariamente dois aspectos: tem de ser individual e social. O dever da oração obriga-nos, antes de mais nada, como indivíduos; mas obriga também o todo, em que os indivíduos se ligam entre si por vínculos sociais. A Liturgia – como a Missa e o Ofício Divino – é o culto público da Igreja. O Vaticano II comenta, no entanto: “O cristão, chamado a rezar em comum, deve entrar também no seu quarto para rezar a sós ao Pai, e até, segundo ensina o Apóstolo, deve rezar sem cessar” (SC 12). Os exercícios pessoais incluem: “A meditação, o exame de consciência, os retiros espirituais, a visita ao Santíssimo Sacramento e as orações particulares em honra de Nossa Senhora, entre as quais destaca-se a do Rosário” (MD 186). “Nutrindo intensamente nos fiéis a vida espiritual, dispõem-nos a tomar parte frutuosamente nas sagradas funções e evitam o perigo de que as preces litúrgicas se reduzam a vão ritualismo” (MD 187).
A leitura espiritual, em particular, concorre para desenvolver as convicções cristãs e ajuda muito a vida de oração. Devemos preferir a leitura do Novo Testamento, com um comentário católico conveniente (DV 12), e os clássicos católicos, escolhidos de acordo com as nossas necessidades e capacidades. É aqui que um “sábio” guia é especialmente importante. As Vidas dos Santos bem escritas constituem uma boa introdução à vida espiritual. Fornecem orientações que nos atraem para o bem e o heroísmo. Os Santos são a concretização visível das doutrinas e exercícios da santidade. Se conhecermos suas vidas, imitaremos em breve as suas virtudes. Dentro do possível, todo legionário deve fazer um retiro fechado uma vez por ano. O fruto dos retiros e recolhimentos é uma visão mais clara de nossa vocação pessoal no mundo e uma decisão firme de viver essa vocação com fidelidade.

b) Espírito de sacrifício
O espírito de sacrifício de que falamos aqui tem como fim libertar-nos do egoísmo, para que Cristo possa viver plenamente em nós. Podemos chamá-lo de autodisciplina para amar a Deus de todo o coração e, aos outros, por amor a Deus. A necessidade do sacrifício brota do pecado original, que turva a inteligência, enfraquece a vontade e facilita as paixões para o mal. O primeiro passo a dar é o cumprimento voluntário daquilo que a Igreja estabelece nos dias e estações do ano consagrados à penitência e a forma como devemos observá-la. O sistema da Legião, devidamente seguido, constitui um exercício válido de sacrifício.
Vem depois a amorosa aceitação, das mãos de Deus, das “cruzes, trabalhos e decepções da vida”. Segue-se o domínio positivo dos sentidos, especialmente do olhar, ouvir e falar. Estes exercícios ajudam a controlar a memória e a imaginação. O sacrifício envolve também a vitória sobre a preguiça, o mau humor e as atitudes egoístas. Leva-nos a um comportamento delicado e amável com aqueles que vivem ou trabalham conosco. O apostolado pessoal – a amizade levada à sua conclusão lógica – implica, por outro lado, o espírito de sacrifício, pois o apóstolo assume o incômodo de ajudar os amigos a endireitar a vida, de uma forma bondosa e delicada. “Fiz-me tudo para todos para salvar alguns a todo custo” (1Cor 9, 22), diz S. Paulo. Os esforços necessários para reprimir as tendências perigosas e cultivar os bons hábitos servem também para reparar os pecados pessoais e os dos outros membros do Corpo Místico. Se Cristo, a Cabeça, sofreu por causa dos nossos pecados, é normal que sejamos solidários com Ele; se Cristo, inocente, pagou por nós, culpados, devemos fazer alguma coisa com certeza. Toda prova clara de pecado inspira o cristão generoso a fazer atos positivos de reparação.

c) Sacramentos
A união com Cristo tem a sua fonte no Batismo, o seu desenvolvimento posterior na Confirmação, e a sua realização e poderoso alimento na Eucaristia. Como estes Sacramentos são tratados em diversas partes do Manual, vamos tratar aqui do Sacramento em que Cristo continua a exercer o seu misericordioso perdão através de alguém que age em seu lugar – o sacerdote católico. Este Sacramento tem vários nomes: Confissão, Penitência e Reconciliação. Confissão, porque é o franco reconhecimento dos pecados cometidos; Penitência, porque envolve mudança de vida; Reconciliação, porque mediante este Sacramento o penitente reconcilia-se com Deus, com a Igreja e com todo o gênero humano. Está intimamente ligado à Eucaristia, porque o perdão de Cristo nos chega pelos méritos da Sua morte – morte que celebramos na Eucaristia.
Aproveite cada legionário o convite de Cristo para se encontrar com Ele pessoalmente no Sacramento da Reconciliação, de forma freqüente e regular, “Sacramento que aumenta o conhecimento próprio, desenvolve a humildade cristã, arranca pelas raízes os maus costumes, combate o descuido e a fraqueza espiritual, purifica a consciência, fortifica a vontade, presta-se à direção espiritual e aumenta a graça” (MC 87). Depois de experimentar os benefícios do Sacramento da Reconciliação, os legionários se sentirão estimulados a partilhá-los com as outras pessoas, convidando-as para a Confissão. Resumindo: a salvação do gênero humano e a sua santificação, assim como a transformação do mundo, resultam da vida de Cristo nos corações e na vida das pessoas. Nisto reside, por excelência, o problema vital.
“A espiritualidade mariana, assim como a devoção correspondente, tem riquíssima fonte na experiência histórica das pessoas e das diversas comunidades cristãs que, no seio de vários povos e nações, vivem sobre a face da terra. A este propósito, gratifica-me recordar, dentre as muitas testemunhas e mestres de tal espiritualidade, a figura de S. Luís Maria Grignion de Montfort que propõe aos cristãos a consagração a Cristo pelas mãos de Maria, como meio eficaz para viverem fielmente os compromissos batismais” (RMat 48). “Existe uma ligação orgânica entre a nossa vida espiritual e os dogmas. Os dogmas são luzes no caminho da nossa fé: iluminam-no e tornam-no seguro. Por outro lado, se a vida é reta, a nossa inteligência e coração estarão abertos para acolher a luz dos dogmas da fé” (CIC 89).


14. O legionário e a vocação cristã

Mais do que a execução de um trabalho apostólico, a Legião propõe uma forma de viver a vida cristã. A formação legionária destina-se a influenciar todos os aspectos e horas da vida. Quem é legionário só durante a reunião e a distribuição do trabalho semanal não vive o espírito da Legião.
A Legião tem como objetivo ajudar os seus membros e aqueles com quem eles estão em contato a viver a vocação cristã de forma perfeita. Esta vocação tem a sua fonte no Batismo. Pelo Batismo, tornamo-nos um com Cristo. “Tornamo-nos não só outros Cristos, mas o próprio Cristo” (Santo Agostinho). Incorporados em Cristo pelo Batismo, cada membro da Sua Igreja participa do Seu sacerdócio, profetismo e realeza.
Participamos da missão sacerdotal de Cristo pelo culto particular e público. A forma mais elevada de culto é o sacrifício. Pelo sacrifício espiritual, oferecemo-nos e oferecemos todas as nossas atividades a Deus, nosso Pai. Falando dos fiéis leigos, diz o Concílio Vaticano II: “Todos os seus trabalhos, orações e empreendimentos apostólicos, a vida conjugal e familiar, o trabalho de cada dia, o descanso do espírito e do corpo, se forem feitos no Espírito, e as próprias dificuldades da vida, suportados com paciência, se tornam outros tantos sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo (1Pd 2, 5); sacrifícios estes que são piedosamente oferecidos ao Pai, juntamente com o oferecimento do Corpo do Senhor, na celebração da Eucaristia. Deste modo, os leigos, agindo em toda a parte santamente, como adoradores, consagram a Deus o próprio mundo.” (LG 34). Participamos também da missão profética (ensinar) de Cristo, que proclamou o reino de Seu Pai, pelo testemunho da vida e pela força da palavra (LG 35). Como fiéis leigos, recebemos a capacidade e a responsabilidade de aceitar o Evangelho com fé e proclamá-lo por palavras e ações. O maior serviço que podemos prestar às pessoas é apresentar-lhes as verdades da fé – dizer-lhes, por exemplo, quem é Deus, quem é o homem, qual a finalidade da vida e o que se segue à morte. Acima de tudo, falar-lhes de Cristo, Nosso Senhor, que contém em si toda a verdade. Não é necessário saber argumentar, apresentar provas do que dizemos; basta conhecer e viver estas verdades e ter consciência da diferença que representam; falar delas de forma inteligente, comunicar suficientemente o seu sentido, de modo a despertar o interesse e levar as pessoas a procurarem, talvez, uma informação mais completa.
Pertencer à Legião ajuda a melhor conhecer e viver a fé. Ajuda também, com forte motivação e experiência, a falar da religião a estranhos. Mas aqueles que têm mais direito à nossa caridade apostólica são os que encontramos habitualmente em casa, na escola, no trato dos negócios, no exercício da profissão, nas atividades sociais e nas horas livres. Normalmente, não fazem parte do trabalho legionário que nos é atribuído, mas, apesar disso, as pessoas com que nos relacionamos nos foram confiadas por Deus.
Participamos também da missão real de Cristo vencendo o pecado em nós mesmos e servindo os companheiros de jornada, pois reinar é servir. Cristo disse que tinha vindo para servir e não para ser servido (Mt 20, 28). Participamos desta missão de Cristo sobretudo fazendo bem o trabalho, qualquer que ele seja, em casa ou fora, por amor a Deus e como serviço prestado aos outros irmãos. Com o nosso trabalho bem feito, ajudamos a construir um mundo melhor, um lugar mais agradável para nele viver. Fazer com que o espírito do Evangelho penetre e aperfeiçoe a ordem temporal – os trabalhos terrenos – é tarefa privilegiada dos cristãos.
No Compromisso Legionário pedimos a graça de ser instrumento dos soberanos desígnios do Espírito Santo. É certo que as nossas ações devem ser sobrenaturalmente motivadas, mas a nossa natureza humana deve oferecer ao Espírito Santo um instrumento perfeito, tanto quanto possível. Cristo é uma Pessoa Divina, mas a natureza humana de que era dotado cumpria a parte respectiva nas suas ações: a sua inteligência humana, a sua voz, o seu olhar, o seu comportamento. As pessoas, mesmo as crianças, que percebem as coisas melhor que todos, gostavam da sua companhia. Era um hóspede bem-vindo a todas as mesas. S. Francisco de Sales era alguém que tinha uma postura e um jeito de tratar as pessoas que o ajudavam a guiá-las no caminho da conversão. Recomenda ele, a quem quiser praticar a caridade, o dever de cultivar o que chama “as pequenas virtudes”: a benevolência, a cortesia, as boas maneiras, a delicadeza, a paciência e compreensão, especialmente com as pessoas difíceis.

“A identidade de sangue implica, entre Jesus e Maria, uma semelhança de formação, de feições, de tendências, de gostos e de virtudes; não só porque a identidade de sangue causa, com freqüência, tal semelhança, mas porque, no caso de Maria, – em virtude de a sua maternidade ser um fato inteiramente de ordem sobrenatural, efeito duma graça transbordante – esta graça se apoderou do princípio mais ou menos comum da natureza e o desenvolveu a ponto de a tornar uma imagem viva, um retrato perfeitíssimo, sob todos os aspectos, do Seu Divino Filho; de sorte que, em Maria, se contemplava a mais delicada imagem de Jesus Cristo. Esta mesma relação de maternidade estabeleceu, entre Maria e seu Filho, uma intimidade não só de trato mútuo e comunhão vital, mas também de intercâmbio de corações e segredos; e de tal modo que ela era o espelho refletor de todos os pensamentos, sentimentos, anelos, desejos e propósitos de Jesus, assim como Ele refletia, por Seu turno, de forma esplêndida, em espelho imaculado, o prodígio de pureza, de amor, de dedicação, de imensa caridade, que era a alma de Maria. A Virgem podia, por conseguinte, com mais razão do que o Apóstolo das Gentes, exclamar: ‘Eu vivo, mas não sou eu quem vive: é Jesus que vive em mim.’” (De Concílio: O Conhecimento de Maria).

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