O episódio
da apresentação no templo não é narrado nas Sagradas Escrituras, mas em
evangelhos apócrifos, em particular no Proto-evangelho de são Tiago, que a
Igreja não considera inspirado por Deus. No entanto,
a celebração deste dia é antiga. Era celebrada já no século VI em Jerusalém, e
a Igreja do Oriente, que acolheu e conservou zelosamente as tradicionais festas
marianas, reserva à apresentação de Maria uma memória particular, como um dos
mistérios da vida daquela que Deus escolheu para Mãe de seu Unigênito.A Igreja do Ocidente,
ao manter essa festividade também com a reforma do calendário litúrgico,
entendeu praticar um gesto “ecumênico”. Na Liturgia das Horas, lê-se: “Neste dia da solene
consagração da igreja de Santa Maria Nova, construída junto ao templo de
Jerusalém, celebramos com os cristãos do Oriente aquela consagração que Maria
fez a Deus de si mesma desde a infância, movida pelo Espírito Santo, de cuja
graça ficara plena na sua Imaculada Conceição”.Se bem que não se encontre na tradição
hebraica a oferta de meninas ao templo (e menos ainda na tenra idade de três
anos, como se lê nos apócrifos, segundo os quais “Maria morou no templo do
Senhor como uma pomba, recebendo o alimento das mãos de um anjo”), os cristãos
celebram hoje aquele particular oferecimento de Maria a Deus, feito no segredo
de sua alma, que a preparou para acolher o Filho de Deus.
Esta
menininha — diz são Germano de Constantinopla na homilia sobre a Apresentação —
prepara o aposento para acolher a Deus, “mas não é o templo que a santifica e
purifica, e sim a sua presença que purifica inteiramente o templo”.
Retirado do livro: 'Os Santos e os Beatos da
Igreja do Ocidente e do Oriente', Paulinas Editora.
Em grande estilo,
aconteceu no dia 07 de setembro último, na Catedral da Sé, a Missa de Ação de
Graças da Legião de Maria, comemorando os 94 anos de fundação na Irlanda e 61
anos no Brasil.
Com seus
estandartes, os legionários e legionárias, vindos de todos os cantos da cidade
e grande São Paulo, lotaram a Igreja dedicada a Nossa Senhora da Assunção, cada
um ao seu estilo usando as mais variadas camisetas da Legião de Maria.
A Santa Missa foi precedida da reza do terço, sendo contemplado os Mistérios da
Alegria, pelo Diretor Espiritual Pe. Ivan.RobertoDanhoni. A Missa teve a
presidência de Dom CarlosLema Garcia, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São
Paulo e concelebrada pelo Diretor Espiritual da Legião Padre Ivan Roberto
Danhoni, e o Padre Helmo Cesar Faccioli (Padre Auxiliar na Catedral de SP). O
comentárista da Missa foi o presidente do Senatus de São Paulo Wanderley
Aparecido Turine. O canto ficou por conta do Coral da Arquidioce de SP.
Dom Carlos, em sua Homilia, exaltou a pessoa de Nossa Senhora, como sendo uma
mulher fiel ao seu filho, e que se quisermos nos aproximar dEle devemos seguir
o exemplo dela. Também nos convoca a fazer o que fez Jesus, na Sinagoga no dia
de sábado, ir em socorro dos mais necessitados, seja onde estivermos.
No final da celebração
Wanderley lembrou que um novo ciclo se inicia com a eleição da nova Diretoria
do Senatus de São Paulo e agradece a Diretoria que termina seu mandato pelos
três anos de dedicação e trabalho. A celebração encerrou-se com a benção final
dos padres presentes e o hino oficial da Legião de Maria.
A Legião de Maria no Brasil
A Legião de Maria é uma
associação de fiéis que surgiu na Irlanda em 1921 e se espalhou pelo mundo
inteiro, chegando ao Brasil em 1951. O primeiro grupo foi formado no Rio de
Janeiro. Em 1954 surgiu a Legião de Maria em São Paulo. A Paróquia de
Nossa Senhora da Salette e o Colégio das Cônegas de Santo Agostinho acolheram
os primeiros grupos de Legionários. Em 18 de outubro de 1955, foi fundada a
Curia Nossa Senhora Aparecida (hoje Senatus de São Paulo).
FRANCISCO BISPO DE ROMA SERVO DOS SERVOS DE DEUS A QUANTOS LEREM ESTA CARTA GRAÇA, MISERICÓRDIA E PAZ
1. Jesus Cristo é
o rosto da misericórdia do Pai. O mistério da fé cristã parece encontrar nestas
palavras a sua síntese. Tal misericórdia tornou-se viva, visível e atingiu o
seu clímax em Jesus de Nazaré. O Pai, « rico em misericórdia » (Ef2, 4), depois de ter revelado o seu
nome a Moisés como « Deus misericordioso e clemente, vagaroso na ira, cheio de
bondade e fidelidade » (Ex34, 6), não cessou de dar a conhecer,
de vários modos e em muitos momentos da história, a sua natureza divina. Na
« plenitude do tempo »
(Gl4, 4), quando tudo estava pronto
segundo o seu plano de salvação, mandou o seu Filho, nascido da Virgem Maria,
para nos revelar, de modo definitivo, o seu amor. Quem O vê, vê o Pai (cf.Jo14,
9). Com a sua palavra, os seus gestos e toda a sua pessoa,[1]Jesus
de Nazaré revela a misericórdia de Deus.
2. Precisamos
sempre de contemplar o mistério da misericórdia. É fonte de alegria, serenidade
e paz. É condição da nossa salvação. Misericórdia: é a palavra que revela o
mistério da Santíssima Trindade. Misericórdia: é o acto último e supremo pelo
qual Deus vem ao nosso encontro. Misericórdia: é a lei fundamental que mora no
coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no
caminho da vida. Misericórdia: é o caminho que une Deus e o homem, porque nos
abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do
nosso pecado.
3. Há momentos em
que somos chamados, de maneira ainda mais intensa, a fixar o olhar na
misericórdia, para nos tornarmos nós mesmos sinal eficaz do agir do Pai. Foi
por isso que proclamei umJubileu Extraordinário da
Misericórdiacomo tempo
favorável para a Igreja, a fim de se tornar mais forte e eficaz o testemunho
dos crentes.
O Ano Santo
abrir-se-á no dia 8 de Dezembro de 2015, solenidade da Imaculada Conceição.
Esta festa litúrgica indica o modo de agir de Deus desde os primórdios da nossa
história. Depois do pecado de Adão e Eva, Deus não quis deixar a humanidade
sozinha e à mercê do mal. Por isso, pensou e quis Maria santa e imaculada no
amor (cf.Ef1,
4), para que Se tornasse a Mãe do Redentor do homem. Perante a gravidade do
pecado, Deus responde com a plenitude do perdão. A misericórdia será sempre
maior do que qualquer pecado, e ninguém pode colocar um limite ao amor de Deus
que perdoa. Na festa da Imaculada Conceição, terei a alegria de abrir a Porta
Santa. Será então umaPorta da Misericórdia,
onde qualquer pessoa que entre poderá experimentar o amor de Deus que consola,
perdoa e dá esperança.
No domingo
seguinte, o Terceiro Domingo de Advento, abrir-se-á a Porta Santa na Catedral
de Roma, a Basílica de São João de Latrão. E em seguida será aberta a Porta
Santa nas outras Basílicas Papais. Estabeleço que no mesmo domingo, em cada
Igreja particular – na Catedral, que é a Igreja-Mãe para todos os fiéis, ou na
Concatedral ou então numa Igreja de significado especial – se abra igualmente,
durante todo o Ano Santo, umaPorta da Misericórdia.
Por opção do Ordinário, a mesma poderá ser aberta também nos Santuários, meta
de muitos peregrinos que frequentemente, nestes lugares sagrados, se sentem
tocados no coração pela graça e encontram o caminho da conversão. Assim, cada
Igreja particular estará directamente envolvida na vivência deste Ano Santo
como um momento extraordinário de graça e renovação espiritual. Portanto o
Jubileu será celebrado, quer em Roma quer nas Igrejas particulares, como sinal
visível da comunhão da Igreja inteira.
4. Escolhi a data
de 8 de Dezembro, porque é cheia de significado na história recente da Igreja.
Com efeito, abrirei a Porta Santa no cinquentenário da conclusão do Concílio
Ecuménico Vaticano II. A Igreja sente a necessidade de manter vivo aquele
acontecimento. Começava então, para ela, um percurso novo da sua história. Os
Padres, reunidos no Concílio, tinham sentido forte, como um verdadeiro sopro do
Espírito, a exigência de falar de Deus aos homens do seu tempo de modo mais
compreensível. Derrubadas as muralhas que, por demasiado tempo, tinham
encerrado a Igreja numa cidadela privilegiada, chegara o tempo de anunciar o
Evangelho de maneira nova. Uma nova etapa na evangelização de sempre. Um novo
compromisso para todos os cristãos de testemunharem, com mais entusiasmo e
convicção, a sua fé. A Igreja sentia a responsabilidade de ser, no mundo, o
sinal vivo do amor do Pai.
Voltam à mente
aquelas palavras, cheias de significado, que São João XXIII pronunciou na
abertura do Concílio para indicar a senda a seguir: « Nos nossos dias, a Esposa
de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia que o da severidade. (…)
A Igreja Católica, levantando por meio deste Concílio Ecuménico o facho da
verdade religiosa, deseja mostrar-se mãe amorosa de todos, benigna, paciente,
cheia de misericórdia e bondade com os filhos dela separados ».[2]E,
no mesmo horizonte, havia de colocar-se o Beato Paulo VI, que assim falou na
conclusão do Concílio: « Desejamos notar que a religião do nosso Concílio foi,
antes de mais, a caridade. (...) Aquela antiga história do bom samaritano foi
exemplo e norma segundo os quais se orientou o nosso Concílio. (…) Uma corrente
de interesse e admiração saiu do Concílio sobre o mundo actual. Rejeitaram-se
os erros, como a própria caridade e verdade exigiam, mas os homens,
salvaguardado sempre o preceito do respeito e do amor, foram apenas advertidos do
erro. Assim se fez, para que, em vez de diagnósticos desalentadores, se dessem
remédios cheios de esperança; para que o Concílio falasse ao mundo actual não
com presságios funestos mas com mensagens de esperança e palavras de confiança.
Não só respeitou mas também honrou os valores humanos, apoiou todas as suas
iniciativas e, depois de os purificar, aprovou todos os seus esforços. (…) Uma
outra coisa, julgamos digna de consideração. Toda esta riqueza doutrinal
orienta-se apenas a isto: servir o homem, em todas as circunstâncias da sua
vida, em todas as suas fraquezas, em todas as suas necessidades ».[3]
Com estes
sentimentos de gratidão pelo que a Igreja recebeu e de responsabilidade quanto
à tarefa que nos espera, atravessaremos a Porta Santa com plena confiança de
ser acompanhados pela força do Senhor Ressuscitado, que continua a sustentar a
nossa peregrinação. O Espírito Santo, que conduz os passos dos crentes de forma
a cooperarem para a obra de salvação realizada por Cristo, seja guia e apoio do
povo de Deus a fim de o ajudar a contemplar o rosto da misericórdia.[4]
5. O Ano Jubilar
terminará na solenidade litúrgica de Jesus Cristo, Rei do Universo, 20 de
Novembro de 2016. Naquele dia, ao fechar a Porta Santa, animar-nos-ão, antes de
tudo, sentimentos de gratidão e agradecimento à Santíssima Trindade por nos ter
concedido este tempo extraordinário de graça. Confiaremos a vida da Igreja, a
humanidade inteira e o universo imenso à Realeza de Cristo, para que derrame a
sua misericórdia, como o orvalho da manhã, para a construção duma história
fecunda com o compromisso de todos no futuro próximo. Quanto desejo que os anos
futuros sejam permeados de misericórdia para ir ao encontro de todas as pessoas
levando-lhes a bondade e a ternura de Deus! A todos, crentes e afastados, possa
chegar o bálsamo da misericórdia como sinal do Reino de Deus já presente no
meio de nós.
6. « É próprio de
Deus usar de misericórdia e, nisto, se manifesta de modo especial a sua
omnipotência ».[5]Estas palavras de São Tomás de Aquino
mostram como a misericórdia divina não seja, de modo algum, um sinal de
fraqueza, mas antes a qualidade da omnipotência de Deus. É por isso que a
liturgia, numa das suas colectas mais antigas, convida a rezar assim: « Senhor,
que dais a maior prova do vosso poder quando perdoais e Vos compadeceis… »[6]Deus
permanecerá para sempre na história da humanidade como Aquele que está
presente, Aquele que é próximo, providente, santo e misericordioso.
« Paciente e
misericordioso » é o binómio que aparece, frequentemente, no Antigo Testamento
para descrever a natureza de Deus. O facto de Ele ser misericordioso encontra
um reflexo concreto em muitas acções da história da salvação, onde a sua
bondade prevalece sobre o castigo e a destruição. Os Salmos, em particular,
fazem sobressair esta grandeza do agir divino: « É Ele quem perdoa as tuas
culpas e cura todas as tuas enfermidades. É Ele quem resgata a tua vida do
túmulo e te enche de graça e ternura » (103/102, 3-4). E outro Salmo atesta, de
forma ainda mais explícita, os sinais concretos da misericórdia: « O Senhor
liberta os prisioneiros. O Senhor dá vista aos cegos, o Senhor levanta os
abatidos, o Senhor ama o homem justo. O Senhor protege os que vivem em terra
estranha e ampara o órfão e a viúva, mas entrava o caminho aos pecadores »
(146/145, 7-9). E, para terminar, aqui estão outras expressões do Salmista:
« [O Senhor] cura os de coração atribulado e trata-lhes as feridas. (...) O
Senhor ampara os humildes, mas abate os malfeitores até ao chão » (147/146,
3.6). Em suma, a misericórdia de Deus não é uma ideia abstracta mas uma realidade
concreta, pela qual Ele revela o seu amor como o de um pai e de uma mãe que se
comovem pelo próprio filho até ao mais íntimo das suas vísceras. É
verdadeiramente caso para dizer que se trata de um amor « visceral ». Provém do
íntimo como um sentimento profundo, natural, feito de ternura e compaixão, de
indulgência e perdão.
7. « Eterna é a
sua misericórdia »: tal é o refrão que aparece em cada versículo do Salmo 136,
ao mesmo tempo que se narra a história da revelação de Deus. Em virtude da
misericórdia, todos os acontecimentos do Antigo Testamento aparecem cheios dum
valor salvífico profundo. A misericórdia torna a história de Deus com Israel
uma história da salvação. O facto de repetir continuamente « eterna é a sua
misericórdia », como faz o Salmo, parece querer romper o círculo do espaço e do
tempo para inserir tudo no mistério eterno do amor. É como se se quisesse dizer
que o homem, não só na história mas também pela eternidade, estará sempre sob o
olhar misericordioso do Pai. Não é por acaso que o povo de Israel tenha querido
inserir este Salmo – o « grandehallel », como lhe
chamam – nas festas litúrgicas mais importantes.
Antes da Paixão,
Jesus rezou ao Pai com este Salmo da misericórdia. Assim o atesta o evangelista
Mateus quando afirma que « depois de cantarem os salmos » (26, 30), Jesus e os
discípulos saíram para o Monte das Oliveiras. Enquanto instituía a Eucaristia,
como memorial perpétuo d’Ele e da sua Páscoa, Jesus colocava simbolicamente
este acto supremo da Revelação sob a luz da misericórdia. No mesmo horizonte da
misericórdia, viveu Ele a sua paixão e morte, ciente do grande mistério de amor
que se realizaria na cruz. O facto de saber que o próprio Jesus rezou com este
Salmo torna-o, para nós cristãos, ainda mais importante e compromete-nos a
assumir o refrão na nossa oração de louvor diária: « eterna é a sua
misericórdia ».
8. Com o olhar
fixo em Jesus e no seu rosto misericordioso, podemos individuar o amor da
Santíssima Trindade. A missão, que Jesus recebeu do Pai, foi a de revelar o mistério
do amor divino na sua plenitude. « Deus é amor » (1 Jo4,
8.16): afirma-o, pela primeira e única vez em toda a Escritura, o evangelista
João. Agora este amor tornou-se visível e palpável em toda a vida de Jesus. A
sua pessoa não é senão amor, um amor que se dá gratuitamente. O seu
relacionamento com as pessoas, que se abeiram d’Ele, manifesta algo de único e
irrepetível. Os sinais que realiza, sobretudo para com os pecadores, as pessoas
pobres, marginalizadas, doentes e atribuladas, decorrem sob o signo da
misericórdia. Tudo n’Ele fala de misericórdia. N’Ele, nada há que seja
desprovido de compaixão.
Vendo que a
multidão de pessoas que O seguia estava cansada e abatida, Jesus sentiu, no
fundo do coração, uma intensa compaixão por elas (cf.Mt9,
36). Em virtude deste amor compassivo, curou os doentes que Lhe foram
apresentados (cf.Mt14, 14) e, com poucos
pães e peixes, saciou grandes multidões (cf.Mt15, 37). Em todas as circunstâncias, o
que movia Jesus era apenas a misericórdia, com a qual lia no coração dos seus
interlocutores e dava resposta às necessidades mais autênticas que tinham.
Quando encontrou a viúva de Naim que levava o seu único filho a sepultar,
sentiu grande compaixão pela dor imensa daquela mãe em lágrimas e entregou-lhe
de novo o filho, ressuscitando-o da morte (cf.Lc7,
15). Depois de ter libertado o endemoninhado de Gerasa, confia-lhe esta missão:
« Conta tudo o que o Senhor fez por ti e como teve misericórdia de ti » (Mc5, 19). A própria vocação de Mateus se
insere no horizonte da misericórdia. Ao passar diante do posto de cobrança dos
impostos, os olhos de Jesus fixaram-se nos de Mateus. Era um olhar cheio de
misericórdia que perdoava os pecados daquele homem e, vencendo as resistências
dos outros discípulos, escolheu-o, a ele pecador e publicano, para se tornar um
dos Doze. São Beda o Venerável, ao comentar esta cena do Evangelho, escreveu
que Jesus olhou Mateus com amor misericordioso e escolheu-o:miserando atque eligendo.[7]Sempre me causou impressão esta frase,
a ponto de a tomar para meu lema.
9. Nas parábolas
dedicadas à misericórdia, Jesus revela a natureza de Deus como a dum Pai que
nunca se dá por vencido enquanto não tiver dissolvido o pecado e superada a
recusa com a compaixão e a misericórdia. Conhecemos estas parábolas, três em
especial: as da ovelha extraviada e da moeda perdida, e a do pai com os seus
dois filhos (cf.Lc15, 1-32). Nestas parábolas, Deus é
apresentado sempre cheio de alegria, sobretudo quando perdoa. Nelas,
encontramos o núcleo do Evangelho e da nossa fé, porque a misericórdia é
apresentada como a força que tudo vence, enche o coração de amor e consola com
o perdão.
Temos depois
outra parábola da qual tiramos uma lição para o nosso estilo de vida cristã.
Interpelado pela pergunta de Pedro sobre quantas vezes fosse necessário
perdoar, Jesus respondeu: « Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes
sete » (Mt18, 22) e contou a parábola do « servo
sem compaixão ». Este, convidado pelo senhor a devolver uma grande quantia,
suplica-lhe de joelhos e o senhor perdoa-lhe a dívida. Mas, imediatamente
depois, encontra outro servo como ele, que lhe devia poucos centésimos; este
suplica-lhe de joelhos que tenha piedade, mas aquele recusa-se e fá-lo meter na
prisão. Então o senhor, tendo sabido do facto, zanga-se muito e, convocando
aquele servo, diz-lhe: « Não devias também ter piedade do teu companheiro, como
eu tive de ti? » (Mt18, 33). E Jesus concluiu: « Assim
procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar ao seu irmão
do íntimo do coração » (Mt18, 35).
A parábola contém
um ensinamento profundo para cada um de nós. Jesus declara que a misericórdia
não é apenas o agir do Pai, mas torna-se o critério para individuar quem são os
seus verdadeiros filhos. Em suma, somos chamados a viver de misericórdia,
porque, primeiro, foi usada misericórdia para connosco. O perdão das ofensas
torna-se a expressão mais evidente do amor misericordioso e, para nós cristãos,
é um imperativo de que não podemos prescindir. Tantas vezes, como parece difícil
perdoar! E, no entanto, o perdão é o instrumento colocado nas nossas frágeis
mãos para alcançar a serenidade do coração. Deixar de lado o ressentimento, a
raiva, a violência e a vingança são condições necessárias para se viver feliz.
Acolhamos, pois, a exortação do Apóstolo: « Que o sol não se ponha sobre o
vosso ressentimento » (Ef4, 26). E sobretudo escutemos a
palavra de Jesus que colocou a misericórdia como um ideal de vida e como
critério de credibilidade para a nossa fé: « Felizes os misericordiosos, porque
alcançarão misericórdia » (Mt5, 7) é a bem-aventurança a que
devemos inspirar-nos, com particular empenho, neste Ano Santo.
Na Sagrada
Escritura, como se vê, a misericórdia é a palavra-chave para indicar o agir de
Deus para connosco. Ele não Se limita a afirmar o seu amor, mas torna-o visível
e palpável. Aliás, o amor nunca poderia ser uma palavra abstracta. Por sua
própria natureza, é vida concreta: intenções, atitudes, comportamentos que se
verificam na actividade de todos os dias. A misericórdia de Deus é a sua
responsabilidade por nós. Ele sente-Se responsável, isto é, deseja o nosso bem
e quer ver-nos felizes, cheios de alegria e serenos. E, em sintonia com isto,
se deve orientar o amor misericordioso dos cristãos. Tal como ama o Pai, assim
também amam os filhos. Tal como Ele é misericordioso, assim somos chamados
também nós a ser misericordiosos uns para com os outros.
10. A arquitrave
que suporta a vida da Igreja é a misericórdia. Toda a sua acção pastoral
deveria estar envolvida pela ternura com que se dirige aos crentes; no anúncio
e testemunho que oferece ao mundo, nada pode ser desprovido de misericórdia. A
credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo.
A Igreja « vive um desejo inexaurível de oferecer misericórdia ».[8]Talvez,
demasiado tempo, nos tenhamos esquecido de apontar e viver o caminho da
misericórdia. Por um lado, a tentação de pretender sempre e só a justiça fez
esquecer que esta é apenas o primeiro passo, necessário e indispensável, mas a
Igreja precisa de ir mais além a fim de alcançar uma meta mais alta e
significativa. Por outro lado, é triste ver como a experiência do perdão na
nossa cultura vai rareando cada vez mais. Em certos momentos, até a própria
palavra parece desaparecer. Todavia, sem o testemunho do perdão, resta apenas
uma vida infecunda e estéril, como se se vivesse num deserto desolador. Chegou
de novo, para a Igreja, o tempo de assumir o anúncio jubiloso do perdão. É o
tempo de regresso ao essencial, para cuidar das fraquezas e dificuldades dos
nossos irmãos. O perdão é uma força que ressuscita para nova vida e infunde a
coragem para olhar o futuro com esperança.
11. Não podemos
esquecer o grande ensinamento que ofereceu São João Paulo II com a sua segunda
encíclica, aDives in misericordia, que então surgiu inesperada
suscitando a surpresa de muitos pelo tema que era abordado. Desejo recordar
especialmente dois trechos. No primeiro deles, o Santo Papa assinalava o
esquecimento em que caíra o tema da misericórdia na cultura dos nossos dias:
« A mentalidade contemporânea, talvez mais que a do homem do passado, parece
opor-se ao Deus de misericórdia e, além disso, tende a separar da vida e a
tirar do coração humano a própria ideia da misericórdia. A palavra e o conceito
de misericórdia parecem causar mal-estar ao homem, o qual, graças ao enorme
desenvolvimento da ciência e da técnica nunca antes verificado na história, se
tornou senhor da terra, a subjugou e a dominou (cf.Gn1,
28). Um tal domínio sobre a terra, entendido por vezes unilateral e
superficialmente, parece não deixar espaço para a misericórdia. (...) Por esse
motivo, na hodierna situação da Igreja e do mundo, muitos homens e muitos
ambientes guiados por um vivo sentido de fé, voltam-se quase espontaneamente,
por assim dizer, para a misericórdia de Deus ».[9]
Além disso, São
João Paulo II motivava assim a urgência de anunciar e testemunhar a
misericórdia no mundo contemporâneo: « Ela é ditada pelo amor para com o homem,
para com tudo o que é humano e que, segundo a intuição de grande parte dos
contemporâneos, está ameaçado por um perigo imenso. O próprio mistério de
Cristo (...) obriga-me igualmente a proclamar a misericórdia como amor
misericordioso de Deus, revelada também no mistério de Cristo. Ele me impele
ainda a apelar para esta misericórdia e a implorá-la nesta fase difícil e
crítica da história da Igreja e do mundo ».[10]Tal ensinamento é hoje mais actual do
que nunca e merece ser retomado neste Ano Santo. Acolhamos novamente as suas
palavras: « A Igreja vive uma vida autêntica quando professa e proclama a
misericórdia, o mais admirável atributo do Criador e do Redentor, e quando
aproxima os homens das fontes da misericórdia do Salvador, das quais ela é
depositária e dispensadora ».[11]
12. A Igreja tem
a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho, que
por meio dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa. A Esposa de
Cristo assume o comportamento do Filho de Deus, que vai ao encontro de todos
sem excluir ninguém. No nosso tempo, em que a Igreja está comprometida na nova
evangelização, o tema da misericórdia exige ser reproposto com novo entusiasmo
e uma acção pastoral renovada. É determinante para a Igreja e para a
credibilidade do seu anúncio que viva e testemunhe, ela mesma, a misericórdia.
A sua linguagem e os seus gestos, para penetrarem no coração das pessoas e
desafiá-las a encontrar novamente a estrada para regressar ao Pai, devem
irradiar misericórdia.
A primeira
verdade da Igreja é o amor de Cristo. E, deste amor que vai até ao perdão e ao
dom de si mesmo, a Igreja faz-se serva e mediadora junto dos homens. Por isso,
onde a Igreja estiver presente, aí deve ser evidente a misericórdia do Pai. Nas
nossas paróquias, nas comunidades, nas associações e nos movimentos – em suma,
onde houver cristãos –, qualquer pessoa deve poder encontrar um oásis de
misericórdia.
13. Queremos
viver este Ano Jubilar à luz desta palavra do Senhor:Misericordiosos como o Pai. O evangelista refere o
ensinamento de Jesus, que diz: « Sede misericordiosos, como o vosso Pai é
misericordioso » (Lc6, 36). É um programa de vida tão
empenhativo como rico de alegria e paz. O imperativo de Jesus é dirigido a
quantos ouvem a sua voz (cf.Lc6, 27). Portanto, para ser capazes de
misericórdia, devemos primeiro pôr-nos à escuta da Palavra de Deus. Isso
significa recuperar o valor do silêncio, para meditar a Palavra que nos é
dirigida. Deste modo, é possível contemplar a misericórdia de Deus e assumi-la
como próprio estilo de vida.
14. Aperegrinaçãoé
um sinal peculiar no Ano Santo, enquanto ícone do caminho que cada pessoa
realiza na sua existência. A vida é uma peregrinação e o ser humano éviator, um peregrino que percorre uma estrada até à
meta anelada. Também para chegar à Porta Santa, tanto em Roma como em cada um
dos outros lugares, cada pessoa deverá fazer, segundo as próprias forças, uma
peregrinação. Esta será sinal de que a própria misericórdia é uma meta a
alcançar que exige empenho e sacrifício. Por isso, a peregrinação há-de servir
de estímulo à conversão: ao atravessar a Porta Santa, deixar-nos-emos abraçar
pela misericórdia de Deus e comprometer-nos-emos a ser misericordiosos com os outros
como o Pai o é connosco.
O Senhor Jesus
indica as etapas da peregrinação através das quais é possível atingir esta
meta: « Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis
condenados; perdoai e sereis perdoados. Dai e ser-vos-á dado: uma boa medida,
cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço. A medida que
usardes com os outros será usada convosco » (Lc6,
37-38). Ele começa por dizer paranão julgarnem condenar. Se uma pessoa não quer incorrer no juízo
de Deus, não pode tornar-se juiz do seu irmão. É que os homens, no seu juízo,
limitam-se a ler a superfície, enquanto o Pai vê o íntimo. Que grande mal fazem
as palavras, quando são movidas por sentimentos de ciúme e inveja! Falar mal do
irmão, na sua ausência, equivale a deixá-lo mal visto, a comprometer a sua
reputação e deixá-lo à mercê das murmurações. Não julgar nem condenar
significa, positivamente, saber individuar o que há de bom em cada pessoa e não
permitir que venha a sofrer pelo nosso juízo parcial e a nossa pretensão de
saber tudo. Mas isto ainda não é suficiente para se exprimir a misericórdia.
Jesus pede também paraperdoaredar. Ser instrumentos do
perdão, porque primeiro o obtivemos nós de Deus. Ser generosos para com todos,
sabendo que também Deus derrama a sua benevolência sobre nós com grande
magnanimidade.
Misericordiosos
como o Paié, pois, o
« lema » do Ano Santo. Na misericórdia, temos a prova de como Deus ama. Ele dá
tudo de Si mesmo, para sempre, gratuitamente e sem pedir nada em troca. Vem em
nosso auxílio, quando O invocamos. É significativo que a oração diária da
Igreja comece com estas palavras: « Deus, vinde em nosso auxílio! Senhor,
socorrei-nos e salvai-nos » (Sal70/69, 2). O auxílio que invocamos é
já o primeiro passo da misericórdia de Deus para connosco. Ele vem para nos
salvar da condição de fraqueza em que vivemos. E a ajuda d’Ele consiste em
fazer-nos sentir a sua presença e proximidade. Dia após dia, tocados pela sua
compaixão, podemos também nós tornar-nos compassivos para com todos.
15. Neste Ano
Santo, poderemos fazer a experiência de abrir o coração àqueles que vivem nas
mais variadas periferias existenciais, que muitas vezes o mundo contemporâneo
cria de forma dramática. Quantas situações de precariedade e sofrimento
presentes no mundo actual! Quantas feridas gravadas na carne de muitos que já
não têm voz, porque o seu grito foi esmorecendo e se apagou por causa da
indiferença dos povos ricos. Neste Jubileu, a Igreja sentir-se-á chamada ainda
mais a cuidar destas feridas, aliviá-las com o óleo da consolação, enfaixá-las
com a misericórdia e tratá-las com a solidariedade e a atenção devidas. Não nos
deixemos cair na indiferença que humilha, na habituação que anestesia o
espírito e impede de descobrir a novidade, no cinismo que destrói. Abramos os
nossos olhos para ver as misérias do mundo, as feridas de tantos irmãos e irmãs
privados da própria dignidade e sintamo-nos desafiados a escutar o seu grito de
ajuda. As nossas mãos apertem as suas mãos e estreitemo-los a nós para que
sintam o calor da nossa presença, da amizade e da fraternidade. Que o seu grito
se torne o nosso e, juntos, possamos romper a barreira de indiferença que
frequentemente reina soberana para esconder a hipocrisia e o egoísmo.
É meu vivo desejo
que o povo cristão reflicta, durante o Jubileu, sobre as obras de misericórdia
corporal e espiritual. Será uma maneira de acordar a nossa consciência,
muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, e de entrar cada vez mais
no coração do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia
divina. A pregação de Jesus apresenta-nos estas obras de misericórdia, para
podermos perceber se vivemos ou não como seus discípulos. Redescubramos as
obras de misericórdia
corporal: dar de comer aos famintos, dar de beber aos sedentos, vestir os
nus, acolher os peregrinos, dar assistência aos enfermos, visitar os presos,
enterrar os mortos. E não esqueçamos as obras de misericórdia espiritual: aconselhar os indecisos,
ensinar os ignorantes, admoestar os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as
ofensas, suportar com paciência as pessoas molestas, rezar a Deus pelos vivos e
defuntos.
Não podemos
escapar às palavras do Senhor, com base nas quais seremos julgados: se demos de
comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede; se acolhemos o estrangeiro e
vestimos quem está nu; se reservamos tempo para visitar quem está doente e
preso (cf.Mt25,
31-45). De igual modo ser-nos-á perguntado se ajudamos a tirar da dúvida, que
faz cair no medo e muitas vezes é fonte de solidão; se fomos capazes de vencer
a ignorância em que vivem milhões de pessoas, sobretudo as crianças desprovidas
da ajuda necessária para se resgatarem da pobreza; se nos detivemos junto de quem
está sozinho e aflito; se perdoamos a quem nos ofende e rejeitamos todas as
formas de ressentimento e ódio que levam à violência; se tivemos paciência, a
exemplo de Deus que é tão paciente connosco; enfim se, na oração, confiamos ao
Senhor os nossos irmãos e irmãs. Em cada um destes « mais pequeninos », está
presente o próprio Cristo. A sua carne torna-se de novo visível como corpo
martirizado, chagado, flagelado, desnutrido, em fuga ... a fim de ser
reconhecido, tocado e assistido cuidadosamente por nós. Não esqueçamos as
palavras de São João da Cruz: « Ao entardecer desta vida, examinar-nos-ão no
amor ».[12]
16. No Evangelho
de Lucas, encontramos outro aspecto importante para viver, com fé, o Jubileu.
Conta o evangelista que Jesus voltou a Nazaré e ao sábado, como era seu
costume, entrou na sinagoga. Chamaram-No para ler a Escritura e comentá-la. A
passagem era aquela do profeta Isaías onde está escrito: « O espírito do Senhor
Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu: enviou-me para levar a boa-nova aos
que sofrem, para curar os desesperados, para anunciar a libertação aos exilados
e a liberdade aos prisioneiros; para proclamar um ano de misericórdia do
Senhor » (61,1-2). « Um ano de misericórdia »: isto é o que o Senhor anuncia e
que nós desejamos viver. Este Ano Santo traz consigo a riqueza da missão de
Jesus que ressoa nas palavras do Profeta: levar uma palavra e um gesto de
consolação aos pobres, anunciar a libertação a quantos são prisioneiros das
novas escravidões da sociedade contemporânea, devolver a vista a quem já não
consegue ver porque vive curvado sobre si mesmo, e restituir dignidade àqueles
que dela se viram privados. A pregação de Jesus torna-se novamente visível nas
respostas de fé que o testemunho dos cristãos é chamado a dar. Acompanhem-nos
as palavras do Apóstolo: « Quem pratica a misericórdia, faça-o com alegria » (Rm12, 8).
17. A Quaresma
deste Ano Jubilar seja vivida mais intensamente como tempo forte para celebrar
e experimentar a misericórdia de Deus. Quantas páginas da Sagrada Escritura se
podem meditar, nas semanas da Quaresma, para redescobrir o rosto misericordioso
do Pai! Com as palavras do profeta Miqueias, podemos também nós repetir: Vós,
Senhor, sois um Deus que tira a iniquidade e perdoa o pecado, que não Se
obstina na ira mas Se compraz em usar de misericórdia. Vós, Senhor, voltareis
para nós e tereis compaixão do vosso povo. Apagareis as nossas iniquidades e
lançareis ao fundo do mar todos os nossos pecados (cf. 7, 18-19).
As páginas do
profeta Isaías poderão ser meditadas, de forma mais concreta, neste tempo de
oração, jejum e caridade. « O jejum que me agrada é este: libertar os que foram
presos injustamente, livrá-los do jugo que levam às costas, pôr em liberdade os
oprimidos, quebrar toda a espécie de opressão, repartir o teu pão com os
esfomeados, dar abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus e não
desprezar o teu irmão. Então, a tua luz surgirá como a aurora, e as tuas
feridas não tardarão a cicatrizar-se. A tua justiça irá à tua frente, e a
glória do Senhor atrás de ti. Então invocarás o Senhor e Ele te atenderá,
pedirás auxílio e te dirá: “Aqui estou!” Se retirares da tua vida toda a
opressão, o gesto ameaçador e o falar ofensivo, se repartires o teu pão com o
faminto e matares a fome ao pobre, a tua luz brilhará na escuridão, e as tuas
trevas tornar-se-ão como o meio-dia. O Senhor te guiará constantemente, saciará
a tua alma no árido deserto, dará vigor aos teus ossos. Serás como um jardim
bem regado, como uma fonte de águas inesgotáveis » (58, 6-11).
A iniciativa « 24 horas para o Senhor »,
que será celebrada na sexta-feira e no sábado anteriores ao IV Domingo da
Quaresma, deve ser incrementada nas dioceses. Há muitas pessoas – e, em grande
número, jovens – que estão a aproximar-se do sacramento da Reconciliação e que
frequentemente, nesta experiência, reencontram o caminho para voltar ao Senhor,
viver um momento de intensa oração e redescobrir o sentido da sua vida. Com
convicção, ponhamos novamente no centro o sacramento da Reconciliação, porque
permite tocar sensivelmente a grandeza da misericórdia. Será, para cada
penitente, fonte de verdadeira paz interior.
Não me cansarei
jamais de insistir com os confessores para que sejam um verdadeiro sinal da
misericórdia do Pai. Ser confessor não se improvisa. Tornamo-nos tal quando
começamos, nós mesmos, por nos fazer penitentes em busca do perdão. Nunca
esqueçamos que ser confessor significa participar da mesma missão de Jesus e
ser sinal concreto da continuidade de um amor divino que perdoa e salva. Cada um
de nós recebeu o dom do Espírito Santo para o perdão dos pecados; disto somos
responsáveis. Nenhum de nós é senhor do sacramento, mas apenas servo fiel do
perdão de Deus. Cada confessor deverá acolher os fiéis como o pai na parábola
do filho pródigo: um pai que corre ao encontro do filho, apesar de lhe ter
dissipado os bens. Os confessores são chamados a estreitar a si aquele filho
arrependido que volta a casa e a exprimir a alegria por o ter reencontrado. Não
nos cansemos de ir também ao encontro do outro filho, que ficou fora incapaz de
se alegrar, para lhe explicar que o seu juízo severo é injusto e sem sentido
diante da misericórdia do Pai que não tem limites. Não hão-de fazer perguntas
impertinentes, mas como o pai da parábola interromperão o discurso preparado
pelo filho pródigo, porque saberão individuar, no coração de cada penitente, a
invocação de ajuda e o pedido de perdão. Em suma, os confessores são chamados a
ser sempre e por todo o lado, em cada situação e apesar de tudo, o sinal do
primado da misericórdia.
18. Na Quaresma
deste Ano Santo, é minha intenção enviar osMissionários da Misericórdia.
Serão um sinal da solicitude materna da Igreja pelo povo de Deus, para que
entre em profundidade na riqueza deste mistério tão fundamental para a fé. Serão
sacerdotes a quem darei autoridade de perdoar mesmo os pecados reservados à Sé
Apostólica, para que se torne evidente a amplitude do seu mandato. Serão
sobretudo sinal vivo de como o Pai acolhe a todos aqueles que andam à procura
do seu perdão. Serão missionários da misericórdia, porque se farão, junto de
todos, artífices dum encontro cheio de humanidade, fonte de libertação, rico de
responsabilidade para superar os obstáculos e retomar a vida nova do Baptismo.
Na sua missão, deixar-se-ão guiar pelas palavras do Apóstolo: « Deus encerrou a
todos na desobediência, para com todos usar de misericórdia » (Rm11, 32). Na verdade todos, sem excluir
ninguém, estão chamados a acolher o apelo à misericórdia. Os missionários vivam
esta chamada, sabendo que podem fixar o olhar em Jesus, « Sumo Sacerdote
misericordioso e fiel » (Hb2,
17).
Peço aos irmãos
bispos que convidem e acolham estes Missionários, para que sejam, antes de
tudo, pregadores convincentes da misericórdia. Organizem-se, nas dioceses,
« missões populares », de modo que estes Missionários sejam anunciadores da
alegria do perdão. Seja-lhes pedido que celebrem o sacramento da Reconciliação
para o povo, para que o tempo de graça, concedido neste Ano Jubilar, permita a
tantos filhos afastados encontrar de novo o caminho para a casa paterna. Os
pastores, especialmente durante o tempo forte da Quaresma, sejam solícitos em
convidar os fiéis a aproximar-se « do trono da graça, a fim de alcançar
misericórdia e encontrar graça » (Hb4, 16).
19. Que a palavra
do perdão possa chegar a todos e a chamada para experimentar a misericórdia não
deixe ninguém indiferente. O meu convite à conversão dirige-se, com insistência
ainda maior, àquelas pessoas que estão longe da graça de Deus pela sua conduta
de vida. Penso de modo particular nos homens e mulheres que pertencem a um
grupo criminoso, seja ele qual for. Para vosso bem, peço-vos que mudeis de
vida. Peço-vo-lo em nome do Filho de Deus que, embora combatendo o pecado,
nunca rejeitou qualquer pecador. Não caiais na terrível cilada de pensar que a
vida depende do dinheiro e que, à vista dele, tudo o mais se torna desprovido
de valor e dignidade. Não passa de uma ilusão. Não levamos o dinheiro connosco
para o além. O dinheiro não nos dá a verdadeira felicidade. A violência usada
para acumular dinheiro que transuda sangue não nos torna poderosos nem
imortais. Para todos, mais cedo ou mais tarde, vem o juízo de Deus, do qual
ninguém pode escapar.
O mesmo convite
chegue também às pessoas fautoras ou cúmplices de corrupção. Esta praga
putrefacta da sociedade é um pecado grave que brada aos céus, porque mina as
próprias bases da vida pessoal e social. A corrupção impede de olhar para o
futuro com esperança, porque, com a sua prepotência e avidez, destrói os
projectos dos fracos e esmaga os mais pobres. É um mal que se esconde nos
gestos diários para se estender depois aos escândalos públicos. A corrupção é
uma contumácia no pecado, que pretende substituir Deus com a ilusão do dinheiro
como forma de poder. É uma obra das trevas, alimentada pela suspeita e a
intriga.Corruptio optimi pessima: dizia, com razão, São
Gregório Magno, querendo indicar que ninguém pode sentir-se imune desta
tentação. Para a erradicar da vida pessoal e social são necessárias prudência,
vigilância, lealdade, transparência, juntamente com a coragem da denúncia. Se
não se combate abertamente, mais cedo ou mais tarde torna-nos cúmplices e
destrói-nos a vida.
Este é o momento
favorável para mudar de vida! Este é o tempo de se deixar tocar o coração.
Diante do mal cometido, mesmo crimes graves, é o momento de ouvir o pranto das
pessoas inocentes espoliadas dos bens, da dignidade, dos afectos, da própria
vida. Permanecer no caminho do mal é fonte apenas de ilusão e tristeza. A
verdadeira vida é outra coisa. Deus não se cansa de estender a mão. Está sempre
disposto a ouvir, e eu também estou, tal como os meus irmãos bispos e
sacerdotes. Basta acolher o convite à conversão e submeter-se à justiça,
enquanto a Igreja oferece a misericórdia.
20. Neste
contexto, não será inútil recordar a relação entrejustiçaemisericórdia. Não são dois aspectos em contraste entre
si, mas duas dimensões duma única realidade que se desenvolve gradualmente até
atingir o seu clímax na plenitude do amor. A justiça é um conceito fundamental
para a sociedade civil, normalmente quando se faz referimento a uma ordem
jurídica através da qual se aplica a lei. Por justiça entende-se também que a
cada um deve ser dado o que lhe é devido. Na Bíblia, alude-se muitas vezes à justiça
divina, e a Deus como juiz. Habitualmente é entendida como a observância
integral da Lei e o comportamento de todo o bom judeu conforme aos mandamentos
dados por Deus. Esta visão, porém, levou não poucas vezes a cair no legalismo,
mistificando o sentido original e obscurecendo o valor profundo que a justiça
possui. Para superar a perspectiva legalista, seria preciso lembrar que, na
Sagrada Escritura, a justiça é concebida essencialmente como um abandonar-se
confiante à vontade de Deus.
Por sua vez, Jesus
fala mais vezes da importância da fé que da observância da lei. É neste sentido
que devemos compreender as suas palavras, quando, encontrando-Se à mesa com
Mateus e outros publicanos e pecadores, disse aos fariseus que O acusavam por
isso mesmo: « Ide aprender o que significa:Prefiro a misericórdia ao
sacrifício. Porque Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores » (Mt9, 13). Diante da visão duma justiça
como mera observância da lei, que julga dividindo as pessoas em justos e
pecadores, Jesus procura mostrar o grande dom da misericórdia que busca os
pecadores para lhes oferecer o perdão e a salvação. Compreende-se que Jesus,
por causa desta sua visão tão libertadora e fonte de renovação, tenha sido
rejeitado pelos fariseus e os doutores da lei. Estes, para ser fiéis à lei,
limitavam-se a colocar pesos sobre os ombros das pessoas, anulando porém a
misericórdia do Pai. O apelo à observância da lei não pode obstaculizar a
atenção às necessidades que afectam a dignidade das pessoas.
A propósito, é
muito significativo o apelo que Jesus faz ao texto do profeta Oseias: « Eu
quero a misericórdia e não os sacrifícios » (6, 6). Jesus afirma que, a partir
de agora, a regra de vida dos seus discípulos deverá ser aquela que prevê o
primado da misericórdia, como Ele mesmo dá testemunho partilhando a refeição
com os pecadores. A misericórdia revela-se, mais uma vez, como dimensão
fundamental da missão de Jesus. É um verdadeiro desafio posto aos seus
interlocutores, que se contentavam com o respeito formal da lei. Jesus, pelo
contrário, vai além da lei, a sua partilha da mesa com aqueles que a lei
considerava pecadores permite compreender até onde chega a sua misericórdia.
Também o apóstolo
Paulo fez um percurso semelhante. Antes de encontrar Cristo no caminho de
Damasco, a sua vida era dedicada a servir de maneira irrepreensível a justiça
da lei (cf.Fl3,
6). A conversão a Cristo levou-o a inverter a sua visão, a ponto de afirmar na
Carta aos Gálatas: « Também nós acreditámos em Cristo Jesus, para sermos
justificados pela fé em Cristo e não pelas obras da lei » (2, 16). A sua
compreensão da justiça muda radicalmente: Paulo agora põe no primeiro lugar a
fé, e já não a lei. Não é a observância da lei que salva, mas a fé em Jesus
Cristo, que, pela sua morte e ressurreição, traz a salvação com a misericórdia
que justifica. A justiça de Deus torna-se agora a libertação para quantos estão
oprimidos pela escravidão do pecado e todas as suas consequências. A justiça de
Deus é o seu perdão (cf.Sl51/50, 11-16).
21. A
misericórdia não é contrária à justiça, mas exprime o comportamento de Deus
para com o pecador, oferecendo-lhe uma nova possibilidade de se arrepender,
converter e acreditar. A experiência do profeta Oseias ajuda-nos, mostrando-nos
a superação da justiça na linha da misericórdia. A época em que viveu este
profeta conta-se entre as mais dramáticas da história do povo judeu. O Reino
está próximo da destruição; o povo não permaneceu fiel à aliança, afastou-se de
Deus e perdeu a fé dos pais. Segundo uma lógica humana, é justo que Deus pense
em rejeitar o povo infiel: não observou o pacto estipulado e, consequentemente,
merece a devida pena, ou seja, o exílio. Assim o atestam as palavras do
profeta: « Não voltará para o Egipto, mas a Assíria será o seu rei, porque
recusaram converter-se » (Os11, 5). E todavia, depois desta
reacção que faz apelo à justiça, o profeta muda radicalmente a sua linguagem e
revela o verdadeiro rosto de Deus: « O meu coração dá voltas dentro de mim,
comovem-se as minhas entranhas. Não desafogarei o furor da minha cólera, não
voltarei a destruir Efraim; porque sou Deus e não um homem, sou o Santo no meio
de ti e não me deixo levar pela ira » (11, 8-9). Santo Agostinho, de certo modo
comentando as palavras do profeta, diz: « É mais fácil que Deus contenha a ira
do que a misericórdia ».[13]É mesmo assim! A ira de Deus dura um
instante, ao passo que a sua misericórdia é eterna.
Se Deus Se
detivesse na justiça, deixaria de ser Deus; seria como todos os homens que
clamam pelo respeito da lei. A justiça por si só não é suficiente, e a
experiência mostra que, limitando-se a apelar para ela, corre-se o risco de a
destruir. Por isso Deus, com a misericórdia e o perdão, passa além da justiça.
Isto não significa desvalorizar a justiça ou torná-la supérflua. Antes pelo
contrário! Quem erra, deve descontar a pena; só que isto não é o fim, mas o início
da conversão, porque se experimenta a ternura do perdão. Deus não rejeita a
justiça. Ele engloba-a e supera-a num evento superior onde se experimenta o
amor, que está na base duma verdadeira justiça. Devemos prestar muita atenção
àquilo que escreve Paulo, para não cair no mesmo erro que o apóstolo censurava
nos judeus seus contemporâneos: « Por não terem reconhecido a justiça que vem
de Deus e terem procurado estabelecer a sua própria justiça, não se submeteram
à justiça de Deus. É que o fim da Lei é Cristo, para que, deste modo, a justiça
seja concedida a todo o que tem fé » (Rm10,
3-4). Esta justiça de Deus é a misericórdia concedida a todos como graça, em
virtude da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Portanto a Cruz de Cristo é o
juízo de Deus sobre todos nós e sobre o mundo, porque nos oferece a certeza do
amor e da vida nova.
22. O Jubileu
inclui também o referimento àindulgência. Esta, no
Ano Santo da Misericórdia, adquire uma relevância particular. O perdão de Deus
para os nossos pecados não conhece limites. Na morte e ressurreição de Jesus
Cristo, Deus torna evidente este seu amor que chega ao ponto de destruir o
pecado dos homens. É possível deixar-se reconciliar com Deus através do
mistério pascal e da mediação da Igreja. Por isso, Deus está sempre disponível
para o perdão, não Se cansando de o oferecer de maneira sempre nova e
inesperada. No entanto todos nós fazemos experiência do pecado. Sabemos que
somos chamados à perfeição (cf.Mt5, 48), mas sentimos fortemente o peso
do pecado. Ao mesmo tempo que notamos o poder da graça que nos transforma,
experimentamos também a força do pecado que nos condiciona. Apesar do perdão,
carregamos na nossa vida as contradições que são consequência dos nossos
pecados. No sacramento da Reconciliação, Deus perdoa os pecados, que são
verdadeiramente apagados; mas o cunho negativo que os pecados deixaram nos
nossos comportamentos e pensamentos permanece. A misericórdia de Deus, porém, é
mais forte também do que isso. Ela torna-seindulgênciado Pai que, através da Esposa de
Cristo, alcança o pecador perdoado e liberta-o de qualquer resíduo das
consequências do pecado, habilitando-o a agir com caridade, a crescer no amor
em vez de recair no pecado.
A Igreja vive a
comunhão dos Santos. Na Eucaristia, esta comunhão, que é dom de Deus,
realiza-se como união espiritual que nos une, a nós crentes, com os Santos e
Beatos cujo número é incalculável (Ap7, 4). A sua
santidade vem em ajuda da nossa fragilidade, e assim a Mãe-Igreja, com a sua
oração e a sua vida, é capaz de acudir à fraqueza de uns com a santidade de
outros. Portanto viver a indulgência no Ano Santo significa aproximar-se da
misericórdia do Pai, com a certeza de que o seu perdão cobre toda a vida do
crente. A indulgência é experimentar a santidade da Igreja que participa em
todos os benefícios da redenção de Cristo, para que o perdão se estenda até às
últimas consequências aonde chega o amor de Deus. Vivamos intensamente o
Jubileu, pedindo ao Pai o perdão dos pecados e a indulgência misericordiosa em
toda a sua extensão.
23. A
misericórdia possui uma valência que ultrapassa as fronteiras da Igreja. Ela
relaciona-nos com o judaísmo e o islamismo, que a consideram um dos atributos
mais marcantes de Deus. Israel foi o primeiro que recebeu esta revelação,
permanecendo esta na história como o início duma riqueza incomensurável para
oferecer à humanidade inteira. Como vimos, as páginas do Antigo Testamento
estão permeadas de misericórdia, porque narram as obras que o Senhor realizou
em favor do seu povo, nos momentos mais difíceis da sua história. O islamismo,
por sua vez, coloca entre os nomes dados ao Criador o de Misericordioso e
Clemente. Esta invocação aparece com frequência nos lábios dos fiéis
muçulmanos, que se sentem acompanhados e sustentados pela misericórdia na sua
fraqueza diária. Também eles acreditam que ninguém pode pôr limites à
misericórdia divina, porque as suas portas estão sempre abertas.
Possa este Ano
Jubilar, vivido na misericórdia, favorecer o encontro com estas religiões e com
as outras nobres tradições religiosas; que ele nos torne mais abertos ao
diálogo, para melhor nos conhecermos e compreendermos; elimine todas as formas
de fechamento e desprezo e expulse todas as formas de violência e
discriminação.
24. O pensamento
volta-se agora para a Mãe da Misericórdia. A doçura do seu olhar nos acompanhe
neste Ano Santo, para podermos todos nós redescobrir a alegria da ternura de
Deus. Ninguém, como Maria, conheceu a profundidade do mistério de Deus feito
homem. Na sua vida, tudo foi plasmado pela presença da misericórdia feita
carne. A Mãe do Crucificado Ressuscitado entrou no santuário da misericórdia
divina, porque participou intimamente no mistério do seu amor.
Escolhida para
ser a Mãe do Filho de Deus, Maria foi preparada desde sempre, pelo amor do Pai,
para serArca da Aliançaentre Deus e os homens. Guardou, no seu
coração, a misericórdia divina em perfeita sintonia com o seu Filho Jesus. O
seu cântico de louvor, no limiar da casa de Isabel, foi dedicado à misericórdia
que se estende « de geração em geração » (Lc1,
50). Também nós estávamos presentes naquelas palavras proféticas da Virgem
Maria. Isto servir-nos-á de conforto e apoio no momento de atravessarmos a
Porta Santa para experimentar os frutos da misericórdia divina.
Ao pé da cruz,
Maria, juntamente com João, o discípulo do amor, é testemunha das palavras de
perdão que saem dos lábios de Jesus. O perdão supremo oferecido a quem O
crucificou, mostra-nos até onde pode chegar a misericórdia de Deus. Maria
atesta que a misericórdia do Filho de Deus não conhece limites e alcança a
todos, sem excluir ninguém. Dirijamos-Lhe a oração, antiga e sempre nova, daSalve Rainha, pedindo-Lhe que nunca se canse de volver
para nós os seus olhos misericordiosos e nos faça dignos de contemplar o rosto
da misericórdia, seu Filho Jesus.
E a nossa oração
estenda-se também a tantos Santos e Beatos que fizeram da misericórdia a sua
missão vital. Em particular, o pensamento volta-se para a grande apóstola da
Misericórdia, Santa Faustina Kowalska. Ela, que foi chamada a entrar nas
profundezas da misericórdia divina, interceda por nós e nos obtenha a graça de
viver e caminhar sempre no perdão de Deus e na confiança inabalável do seu
amor.
25. Será,
portanto, um Ano Santo extraordinário para viver, na existência de cada dia, a
misericórdia que o Pai, desde sempre, estende sobre nós. Neste Jubileu,
deixemo-nos surpreender por Deus. Ele nunca Se cansa de escancarar a porta do
seu coração, para repetir que nos ama e deseja partilhar connosco a sua vida. A
Igreja sente, fortemente, a urgência de anunciar a misericórdia de Deus. A sua
vida é autêntica e credível, quando faz da misericórdia seu convicto anúncio.
Sabe que a sua missão primeira, sobretudo numa época como a nossa cheia de
grandes esperanças e fortes contradições, é a de introduzir a todos no grande
mistério da misericórdia de Deus, contemplando o rosto de Cristo. A Igreja é
chamada, em primeiro lugar, a ser verdadeira testemunha da misericórdia,
professando-a e vivendo-a como o centro da Revelação de Jesus Cristo. Do
coração da Trindade, do íntimo mais profundo do mistério de Deus, brota e flui
incessantemente a grande torrente da misericórdia. Esta fonte nunca poderá
esgotar-se, por maior que seja o número daqueles que dela se abeirem. Sempre
que alguém tiver necessidade poderá aceder a ela, porque a misericórdia de Deus
não tem fim. Quanto insondável é a profundidade do mistério que encerra, tanto
é inesgotável a riqueza que dela provém.
Neste Ano
Jubilar, que a Igreja se faça eco da Palavra de Deus que ressoa, forte e
convincente, como uma palavra e um gesto de perdão, apoio, ajuda, amor. Que ela
nunca se canse de oferecer misericórdia e seja sempre paciente a confortar e
perdoar. Que a Igreja se faça voz de cada homem e mulher e repita com confiança
e sem cessar: « Lembra-te, Senhor, da tua misericórdia e do teu amor, pois eles
existem desde sempre » (Sl25/24, 6).
Dado em Roma,
junto de São Pedro, no dia 11 de Abril – véspera do II Domingo de Páscoa
ou da Divina Misericórdia – do Ano do Senhor de 2015, o terceiro de
pontificado.
Franciscus
[1] Cf. Conc. Ecum.
Vat. II, Const. dogm.Dei Verbum, 4.
[2]Discurso de aberturado Concílio Ecuménico Vaticano II,Gaudet Mater Ecclesia(11 de Outubro de 1962), 2-3.
[3]Alocução na última sessão
pública(7 de Dezembro de
1965).
[4]Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm.Lumen gentium, 16; Const. past.Gaudium et spes, 15.
[5] Tomás de Aquino,Summa theologiae, II-II, q. 30, a. 4.
[6] Domingo XXVI do
Tempo Comum. Esta colecta já aparece, no séc. VIII, entre os textos eucológios
doSacramentário Gelasiano(1198).
[7]Cf.Homilia21:CCL122,
149-151.
[8] Exort. ap.Evangelii gaudium, 24.
[9] João Paulo II,
Carta enc.Dives in misericordia, 2.